Autor: Maurício de Jesus
Antigamente era uma obrigação e uma necessidade. Hoje em dia é um divertimento e uma forma de celebrar a açorianidade, transmitindo a identidade topense aos mais jovens, que reconhecem o seu valor e gostam de participar nos cortejos de carros de bois, onde se destaca a forte presença do gado da raça Ramo Grande.
O secretário regional da Agricultura e Alimentação, António Ventura, identificou, no ano passado, nas Velas, a evolução verificada nos últimos 10 anos no número de bovinos da raça Ramo Grande na ilha de São Jorge, referindo que dos 2 443 animais da espécie existentes nos Açores, a ilha de São Jorge possui quase metade do efetivo.
O primeiro dia de maio, de há três anos a esta parte, trouxe ao lugar do Barreiro, situado na freguesia do Topo, na ilha de São Jorge, o primeiro cortejo de carros de bois e a primeira tourada à corda deste corrente ano de 2025.
Esta iniciativa começou há três anos, quando o topense Ângelo Silva (Júnior), com um grupo de apoiantes e amigos, teve a ideia de, anualmente, a 1 de maio, realizar um tradicional cortejo de carros de bois e uma tourada à corda, uma iniciativa que marca o início dos cortejos e das touradas à corda em São Jorge.
Estes cortejos contam, normalmente, com várias dezenas de participantes que, com a sua aguilhada, a sua junta de bois (normalmente da raça Ramo Grande), e o seu carro de madeira tradicional - onde se ouve 'cantar' as rodas - desfilam por vezes com ferramentas de trabalho agrícola, como o arado, a claveira, a grade, as atarradeiras, o alvião, as cangas, cestos de vime, entre outros acessórios do quotidiano rural.
Alguns destes participantes enfeitam também os carros de bois com flores e faias alusivas a esta época. Estes veículos, que outrora foram os “tratores” do tempo, são hoje utilizados anualmente nestes cortejos, nos bodos de leite e na época do Espírito Santo, bem como no cultivo de terras de difícil acesso a tratores, como acontece nas conhecidas fajãs da ilha.
“Hoje em dia só usamos isto para desporto, antigamente era uma necessidade”, dizem alguns dos participantes, que carregam o legado e o suor dos seus pais e avós e que, com orgulho, vão passando de geração em geração um dos métodos mais nobres e tradicionais de trabalhar o campo.
Ocasionalmente, são feitas escrepagens - em que, de forma voluntária e a convite dos organizadores - as terras são trabalhadas à moda antiga. A escrepagem serve para puxar e transportar a terra de um pasto inclinado, onde a chuva e o tempo a arrastaram para zonas mais baixas. Nesta ocasião, os carros de bois puxam a terra de volta para a parte superior do terreno.
Anualmente, na Ponta do Topo (freguesias de Topo e Santo Antão), realizam-se cortejos no Barreiro, nos bodos de leite do Topo e de Santo Antão, no Bodo de Leite de São Tomé e no Bodo de Leite do Cruzal, inserido nas festas de São Tomé e do Senhor Bom Jesus. Para além destes, que estão anualmente agendados e programados, há também alguns cortejos organizados pelos mordomos dos Jantares em Louvor ao Divino Espírito Santo.
A raça Ramo Grande é muito apreciada pela sua cor e trato dócil. No lugar do Barreiro, João Eduíno, um emigrante que regressou à sua terra natal após várias décadas fora da ilha de São Jorge, referiu: “O ano passado vim com estas bezerras, este ano já são maiores. Comprei-as pequenas, só por causa de ir aos cortejos... Quero ir a todos os cortejos, se Deus quiser".
Alguns dos participantes anseiam pela hora do cortejo. “Eu acordei eram 6 horas da manhã... estava inquieto para caminhar”, disse João Eduíno, com um sorriso no rosto e com o seu chapéu bege à cowboy, ao lado da sua junta de bois, com a aguilhada erguida na mão.
Horácio Mendonça, um dos cerca de 40 participantes neste cortejo e residente na freguesia de Santo Antão, referiu que ia participar pela primeira vez com a sua junta de bois.
Admitiu ainda que agora é uma questão de ir praticando e trabalhando com o gado, para que este se vá habituando à presença das pessoas, dos carros e aos trabalhos de campo, dia após dia.
O promotor da iniciativa, Ângelo Silva, fez
um balanço positivo no final do dia. Apesar do tempo não ter ajudado,
afirmou que "se houver saúde em 2026", pretende voltar a realizar o
cortejo e a tourada à corda, um acontecimento que enaltece e
valoriza a autenticidade da açorianidade.