Carlos Lopes acredita que mudou o desporto português
Paris2024
6 de jul. de 2024, 09:10
— Ana Marques Gonçalves/Lusa
“Eu transformei o
desporto de uma coisa vulgar para uma coisa nacional. Porque, a partir
daqui, toda a gente acreditou mais, toda a gente sentiu que era capaz de
fazer coisas diferentes e para melhor”, defendeu, em entrevista à
agência Lusa, em Santa Cruz (Torres Vedras).Primeiro
campeão olímpico português, Carlos Lopes acredita que o ouro que
conquistou há quatro décadas fez com que o desporto nacional seja hoje
“muito melhor” e “mais capaz”. “Os jovens
têm mais capacidade, têm mais talento, são mais cultos. Tem outros
argumentos que a gente não tinha naquela altura. Porque abriu-se uma
porta ou uma janela, digam o que quiserem, mas abriram-se de facto novos
horizontes para o desporto português. Eu fui parte responsável por isso
também”, sustentou.Para o antigo atleta, o
desporto antes do 25 de Abril “só tinha o nome de desporto, pois o que
era bonito era a participação, não era o resultado”. “E, depois tudo se
virou, e ainda bem que isto aconteceu. E dá-me prazer de dizer que eu
fui o primeiro”, reforçou.“Quem é que
ganhava medalhas naquela altura? Eram os da vela, do tiro… eram pessoas
da tropa, eram pessoas que tinham uma vida muito acima da média.
Trabalhavam para aquilo. Agora, o outro desporto, o que era? Zero. Não
havia nada. E se eu tenho falhado, continuava a zero. Felizmente, tudo
correu bem”, declarou.Prata nos 10.000 metros em Montreal1976, Lopes revela que, para si, ser finalista nunca contou “nada”. “Correr
só para participar, não. E ser só finalista, também não quero. Ou
lutamos mesmo pelo primeiro lugar, ou então... Nós sabemos que não somos
só nós no mundo. Nós sabemos isso. Porque o mundo é enorme. E são dois
mil, quase três mil atletas, e todos lá estão pela mesma causa. Mas
depois do legado que eu deixei, as pessoas têm de se convencer que vão
lá é para lutar pelo melhor, pelos primeiros lugares”, advogou. Referência
incontornável no atletismo e do olimpismo nacional, o viseense,
atualmente com 77 anos, diz que quem duvidar das suas capacidades “não
está no ofício certo”. “No desporto, ou se
tem convicções fortes…nem sempre corre bem, mas isso faz parte do
crescimento. Mesmo não correndo bem, estamos a valorizar o futuro, ao
contrário daquilo que se possa pensar”, completou. Carlos
Lopes lembra ainda que, com o seu título olímpico, surgiu a perceção de
que Portugal era um país “pequenino” a nível desportivo. “Nós
somos pequeninos porque vivemos num cinismo sistemático. Porque nós
podíamos ser um país de grande potencial. Temos potencialidade, mas não
se deixa desenvolver. Não querem. Dá jeito”, argumentou,
‘responsabilizando’ os sucessivos governos: “Os nossos políticos, quando
há medalhas, aparecem todos. Passado uma semana, já toda a gente se
esqueceu. E estão à espera mais quatro anos”.O campeão olímpico da maratona de LosAngeles1984 considera que “ninguém vê o trabalho que um atleta faz”. “Ninguém
quer ver. Porque isso dá muita chatice e dá muito trabalho. São horas e
horas. E se as pessoas tivessem o mínimo de paciência para perceber o
que é um sacrifício de um treino de um atleta, as pessoas fugiam. E se
calhar davam o tal valor”, notou.Ainda assim, Lopes diz que “quase todos os dias”, 40 anos depois, há portugueses a agradecer pelo seu ouro olímpico.“Eu
tenho um arrependimento tremendo. Comecei tarde demais. É o único
arrependimento, porque podia ter ido mais cedo a uns Jogos. Podia ter
começado mais cedo e mais bem preparado. Mas, para isso, era preciso que
o país também me acompanhasse, que foi aquilo que nunca fez e ainda
pouco faz. Eu acho que faz pouco. Está muito melhor, mas para aquilo que
os atletas olímpicos fazem, e os que trazem resultados, é pouco”,
concluiu.