Presidenciais
Candidatos criticam dificuldades no acesso à justiça que descredibiliza instituições

Os candidatos às eleições presidenciais concordaram, esta segunda-feira, que o acesso à justiça não é igualitário, alertando que isso ajuda à descredibilização das instituições, e notaram que o pacto para a justiça proposto por Marcelo "não saiu do papel".



Autor: Lusa/AO Online

"Não basta fazer, como fez o senhor professor Marcelo Rebelo de Sousa, um discurso no início do ano judicial em 2016, com um pacto para a justiça, que depois não valeu o papel onde estava escrito, com 80 medidas, muitas absolutamente relevantes mas que não foram concretizadas", salientou Ana Gomes, no último debate antes das eleições presidenciais emitido hoje em simultâneo por TSF, Antena 1 e Renascença, ao qual André Ventura faltou alegando "motivos de agenda".

A candidata apoiada pelo Livre e pelo PAN alertou para "um bloqueio em relação à justiça", considerando que "o que os portugueses veem é o acesso à justiça ser negado aos pobres" e os "ricos manipularem a justiça, fazerem com que haja mega processos e outros esquemas para trabalhar para a prescrição dos crimes, para nunca serem julgados".

Ana Gomes voltou a uma das suas bandeiras, e pediu também "justiça exemplar" para a corrupção, estimando que "mil milhões de euros por ano" sejam "desviados do erário público português para 'offshores'".

Apontando que esta é uma das áreas em que o Presidente da República pode fazer a diferença, a antiga diplomata advogou que não viu "nada" ser feito por parte do atual chefe de Estado.

"Há um enorme número de portugueses que hoje não têm acesso à justiça, seja porque esta é cara, muito cara, seja porque os meios de patrocínio judiciário que a Constituição define não funcionam", concordou João Ferreira, atirando que "é uma realidade" a ideia de que "há uma justiça para pobres e uma justiça para ricos" e salientando a falta de meios neste setor.

O candidato apoiado pelo PCP alertou para a autonomia do poder judicial, notando que "há aspetos do chamado pacto para a justiça promovido pelo Presidente da República que são problemáticos", nomeadamente no que toca à autonomia do Ministério Público.

O comunista rejeitou também a delação premiada, advogando que "serve mais para absolver criminosos".

"Concordo que o pacto para a justiça não saiu do papel", afirmou Marisa Matias, que alinhou também na rejeição da delação premiada.

A candidata apoiada pelo BE salientou, além do acesso igualitário que "não existe e deveria existir", a morosidade da justiça.

"Em relação ao grande crime, a justiça nunca mais decide", lamentou, pedindo meios e condições profissionais para que as investigações possam ser mais rápidas e para contrariar uma justiça a "duas velocidades".

Neste tema, também Ana Gomes interveio para rejeitar a delação premiada, defendendo ao invés "colaboração com controlo judicial", como acontece com o 'hacker' Rui Pinto.

Em matéria de justiça, Tiago Mayan Gonçalves criticou a atuação de Marcelo Rebelo de Sousa no que tocou à não recondução da antiga procuradora-geral da República Joana Marques Vidal e no caso da polémica nomeação do procurador europeu José Guerra.

"São dois exemplos muito claros em que o senhor Presidente da República poderia e deveria ter tido um papel", salientou.

Para Vitorino Silva "a justiça é cega, mas o povo não é cego" e sabe "o que é ficção e o que é realidade".

Na resposta, Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu que "realmente o pacto só muito parcialmente foi aplicado", nomeadamente na digitalização, da "funcionalização da justiça cível e comercial" ou na "melhoria do estatuto das magistraturas", mas considerou que "a lentidão continua a ser um problema".

O candidato e atual Presidente da República destacou que a sua proposta "conseguiu ter o apoio de todos os parceiros judiciais", mas lamentou que "os parceiros políticos não aplicaram muito esse pacto naquilo que era mais fácil aplicar".

Marcelo concordou que "era preciso reforçar os meios, reformular o DCIAP" [Departamento Central de Investigação e Ação Penal], disse "ser sensível" à autonomia do Ministério Público, e salientou que "há um problema de fundo" no que toca às 'offshore'.

Num debate no qual André Ventura não esteve presente, a solução governativa encontrada no Governo Regional dos Açores, que junta PSD, PPM, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega, foi novamente tema, com os candidatos a reforçar as posições já conhecidas sobre a matéria e o Presidente recandidato a deixar alguns avisos.

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que, em 2015, o seu antecessor, Aníbal Cavaco Silva, exigiu um acordo escrito entre a 'geringonça' de PS, PCP e BE, algo que não se verificou em 2019, uma vez que o atual chefe de estado “não tinha dúvidas” sobre a constitucionalidade dos partidos.

“Em relação aos Açores as dúvidas podiam levantar-se, e embora o processo fosse conduzido pelo representante da República no exercício dos seus poderes, ele fez muito bem em exigir acordos escritos porque havia dúvidas”, argumentou.

Marcelo clarificou ainda que a nível nacional, “havendo dúvidas sobre o comportamento, aí faz sentido haver acordos escritos”.

“Se for essa a situação, se ela vier a acontecer. Mas acontecerá mais depressa se nós transformarmos em polo central da vida política portuguesa o que não deve ser”, alertou.

As eleições presidenciais, que se realizam em plena epidemia de covid-19 em Portugal, estão marcadas para 24 de janeiro e esta é a 10.ª vez que os portugueses são chamados a escolher o Presidente da República em democracia, desde 1976.

A campanha eleitoral termina em 22 de janeiro. Concorrem às eleições sete candidatos, Marisa Matias (apoiada pelo Bloco de Esquerda), Marcelo Rebelo de Sousa (PSD e CDS/PP) Tiago Mayan Gonçalves (Iniciativa Liberal), André Ventura (Chega), Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans, João Ferreira (PCP e PEV) e a militante do PS Ana Gomes (PAN e Livre).