Camarata da “América do Sul” fechada na cadeia de Ponta Delgada
18 de jul. de 2025, 09:09
— Nuno Martins Neves
A imagem que ilustra esta notícia é, desde março deste ano, uma
imagem do passado. A “mega camarata” do Estabelecimento Prisional de
Ponta Delgada (EPPD) - apelidada de camarata da “América do Sul” pelo
Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional - foi encerrada pela
direção da cadeia de São Miguel, após mais de quatro anos aberta de
forma ilegal, pois segundo o relatório sobre 2024 da Provedoria da
Justiça, o espaço não entrava nas contas da lotação da prisão.No
relatório “Mecanismo Nacional de Prevenção”, publicado na quinta-feira, a visita
realizada ao EPPD revela a “elevada preocupação relativamente à
degradação e vetustez das condições materiais, que reclamam a tomada
urgente de medidas pelos serviços centrais e pela tutela”.Entre
elas, a “mega camarata” que, na altura da visita (novembro de 2024),
registava 47 reclusos, um número que, em datas anteriores, foi bastante
superior. A equipa da Provedoria da Justiça encontrou dois beliches
triplos “com notória instabilidade, colocando em perigo a segurança dos
reclusos”.Importante detalhar que este espaço, criado onde
antigamente se realizavam atividades formativas, encontrava-se à margem
da legalidade: a lotação nunca foi homologada “e, por esse motivo, não é
oficialmente um espaço para colocação de pessoas reclusas e não está
considerada na lotação oficial do EP”. Ou seja, os dados oficiais que
eram publicados sobre a lotação do EPPD nunca refletiram a realidade
desta camarata.Entre os problemas apontados a mega camarata, além de
não respeitar o espaço mínimo por pessoa reclusa, “de acordo com os
melhores padrões internacionais”, o relatório assinalou a falta de
privacidade e excessiva proximidade entre camas, a falta de cacifos
individuais para depósito dos pertences pessoais dos reclusos “o que
potencia roubos e conflitualidade”, a notória insuficiência dos seis
duches e cinco sanitas, sem garantia de privacidade para os reclusos e a
maior dificuldade na gestão de ruídos, inclusivamente nos períodos de
descanso.O problema, entretanto, foi resolvido, com o encerramento
do espaço e a transferência dos reclusos para o piso onde funcionava ala
feminina, que sofreu obras de beneficiação. Uma intervenção que a
Provedoria da Justiça assinala que foi feita “sem acautelar o respeito
pelo princípio do alojamento individual” e com “fragilidades capazes de
colocar em risco, no futuro, a separação entre população reclusa
feminina e masculina”, segundo relatos de vigilância.O encerramento
da “mega camarata” foi recebida pelo presidente do SNCGP como “uma
vitória”: afirmou Frederico Morais ao Açoriano Oriental que, após anos a
lutar por este desiderato, considera que a “segurança no EPPD está
restabelecida”.“A nossa cama é sofá, mesa, tudo”As
condições das reclusas no EPPD também foi alvo de censura no relatório,
apesar de, desde janeiro deste ano, a cadeia de São Miguel ter deixado
de ser uma camarata de permanência de reclusas, passando a ser apenas de
transição/acolhimento, com as reclusas transferidas, “no mais curto
espaço de tempo”, para os estabelecimentos prisionais de Angra do
Heroísmo ou de Santa Cruz do Bispo.Segundo o relatório, não estão
reunidas as “condições dignas” de alojamento para as mulheres reclusas,
que permanecem encerradas em um única camarata 22 horas por dia. As duas
horas de “tempo de recreio” têm de ser aproveitadas para telefonemas e
lavagem de roupa.As reclusas não dispõem de qualquer atividade
ocupacional, laboral, lúdica ou de ensino, e tomam as refeições nas
camaratas, onde não há mobiliário para o efeito: “a nossa cama é sofá,
mesa, tudo”, afirma uma reclusa, citada no relatório. E a camarata
tem apenas uma única janela “inacessível” e que limita o acesso a luz
natural, “acentuando a sensação de claustrofobia”.Por último, o
relatório assinala as “deficientes condições materiais” que afetam quem
trabalha na EPPD, havendo locais no edifício onde a instabilidade do
teto e do piso “provocaram a queda de estuque ou o abatimento do soalho,
colocando em causa a segurança e integridade física dos funcionários”.Por
isso, exorta a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a
tomar iniciativas junto da tutela e do Governo Regional para a
construção de uma nova cadeia.Relatório elogia acompanhamento de reclusos consumidoresO
relatório da Provedoria da Justiça assinala, pela positiva, o
acompanhamento que é feito no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada
dos reclusos com comportamentos aditivos.Neste particular, é destacada a equipa de enfermagem “com diversos elementos especializados no acompanhamento de pessoas com comportamentos aditivos”, sendo que no EPPD, este universo corresponde a 60 a 70% da população reclusa.