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Camarata da “América do Sul” fechada na cadeia de Ponta Delgada

Espaço que chegou a albergar mais de quatro dezenas de reclusos em condições sub-humanas encerrou portas em março, revela a Provedoria da Justiça. Sindicato dos Guardas Prisionais considera que foi retomada a segurança do estabelecimento prisional


Autor: Nuno Martins Neves

A imagem que ilustra esta notícia é, desde março deste ano, uma imagem do passado. A “mega camarata” do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada (EPPD) - apelidada de camarata da “América do Sul” pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional - foi encerrada pela direção da cadeia de São Miguel, após mais de quatro anos aberta de forma ilegal, pois segundo o relatório sobre 2024 da Provedoria da Justiça, o espaço não entrava nas contas da lotação da prisão.

No relatório “Mecanismo Nacional de Prevenção”, publicado na quinta-feira, a visita realizada ao EPPD revela a “elevada preocupação relativamente à degradação e vetustez das condições materiais, que reclamam a tomada urgente de medidas pelos serviços centrais e pela tutela”.

Entre elas, a “mega camarata” que, na altura da visita (novembro de 2024), registava 47 reclusos, um número que, em datas anteriores, foi bastante superior. A equipa da Provedoria da Justiça encontrou dois beliches triplos “com notória instabilidade, colocando em perigo a segurança dos reclusos”.

Importante detalhar que este espaço, criado onde antigamente se realizavam atividades formativas, encontrava-se à margem da legalidade: a lotação nunca foi homologada “e, por esse motivo, não é oficialmente um espaço para colocação de pessoas reclusas e não está considerada na lotação oficial do EP”. Ou seja, os dados oficiais que eram publicados sobre a lotação do EPPD nunca refletiram a realidade desta camarata.

Entre os problemas apontados a mega camarata, além de não respeitar o espaço mínimo por pessoa reclusa, “de acordo com os melhores padrões internacionais”, o relatório assinalou a falta de privacidade e excessiva proximidade entre camas, a falta de cacifos individuais para depósito dos pertences pessoais dos reclusos “o que potencia roubos e conflitualidade”, a notória insuficiência dos seis duches e cinco sanitas, sem garantia de privacidade para os reclusos e a maior dificuldade na gestão de ruídos, inclusivamente nos períodos de descanso.

O problema, entretanto, foi resolvido, com o encerramento do espaço e a transferência dos reclusos para o piso onde funcionava ala feminina, que sofreu obras de beneficiação. 

Uma intervenção que a Provedoria da Justiça assinala que foi feita “sem acautelar o respeito pelo princípio do alojamento individual” e com “fragilidades capazes de colocar em risco, no futuro, a separação entre população reclusa feminina e masculina”, segundo relatos de vigilância.

O encerramento da “mega camarata” foi recebida pelo presidente do SNCGP como “uma vitória”: afirmou Frederico Morais ao Açoriano Oriental que, após anos a lutar por este desiderato, considera que a “segurança no EPPD está restabelecida”.

“A nossa cama é sofá, mesa, tudo”

As condições das reclusas no EPPD também foi alvo de censura no relatório, apesar de, desde janeiro deste ano, a cadeia de São Miguel ter deixado de ser uma camarata de permanência de reclusas, passando a ser apenas de transição/acolhimento, com as reclusas transferidas, “no mais curto espaço de tempo”, para os estabelecimentos prisionais de Angra do Heroísmo ou de Santa Cruz do Bispo.

Segundo o relatório, não estão reunidas as “condições dignas” de alojamento para as mulheres reclusas, que permanecem encerradas em um única camarata 22 horas por dia. As duas horas de “tempo de recreio” têm de ser aproveitadas para telefonemas e lavagem de roupa.

As reclusas não dispõem de qualquer atividade ocupacional, laboral, lúdica ou de ensino, e tomam as refeições nas camaratas, onde não há mobiliário para o efeito: “a nossa cama é sofá, mesa, tudo”, afirma uma reclusa, citada no relatório. E a camarata tem apenas uma única janela “inacessível” e que limita o acesso a luz natural, “acentuando a sensação de claustrofobia”.

Por último, o relatório assinala as “deficientes condições materiais” que afetam quem trabalha na EPPD, havendo locais no edifício onde a instabilidade do teto e do piso “provocaram a queda de estuque ou o abatimento do soalho, colocando em causa a segurança e integridade física dos funcionários”.

Por isso, exorta a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a tomar iniciativas junto da tutela e do Governo Regional para a construção de uma nova cadeia.


Relatório elogia acompanhamento de reclusos consumidores

O relatório da Provedoria da Justiça assinala, pela positiva, o acompanhamento que é feito no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada dos reclusos com comportamentos aditivos.

Neste particular, é destacada a equipa de enfermagem “com diversos elementos especializados no acompanhamento de pessoas com comportamentos aditivos”, sendo que no EPPD, este universo corresponde a 60 a 70% da população reclusa.