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Câmaras travam “luta inglória” contra alga invasora

Autarquias confrontam-se com um novo problema ambiental, mas de acordo com os municípios não há qualquer articulação entre entidades até ao momento. Ações de limpeza são “luta inglória” e têm custos


Autor: Paula Gouveia

As autarquias de São Miguel estão a lidar com um novo problema ambiental nas suas zonas balneares, criado pelo surgimento de uma alga classificada como invasora. E estão a fazê-lo de forma isolada e sem qualquer articulação com as várias entidades oficiais.
De acordo com a informação recolhida junto dos municípios, na costa sul, nos concelhos da Lagoa e de Vila Franca do Campo, a alga invasora Rugulopteryx okamurae tem surgido nas zonas balneares de forma constante  durante toda a época balnear, enquanto  em Ponta Delgada há registo de uma ocorrência nos Mosteiros, tal como na Povoação, onde no mês de maio e início de junho se verificou acumulação de algas na Praia da Ribeira Quente.
Na costa norte, na Ribeira Grande tem sido a Praia dos Moinhos a mais afetada, embora haja registo também desta alga na zona balnear das Calhetas.
Já no Nordeste, não foram registadas ocorrências, embora seja feita “monitorização frequente”.
Segundo a informação prestada pelas referidas câmaras municipais, perante o arrojamento de algas, e a sua concentração em zonas balneares, a solução tem sido proceder à sua limpeza, embora com exceções em alguns locais da Lagoa.
O município de Vila Franca do Campo explica que, “ao longo de toda a época balnear, tem-se verificado ocorrências constantes”  e “em todas as zonas balneares do concelho, com principal incidência na Praia da Vinha da Areia”, estando a ser adotados “procedimentos de limpeza”, sendo as algas recolhidas transportadas para o aterro. Mas, como salienta a autarquia, “é uma luta inglória porque, acabada a limpeza, pouco tempo depois já se observam novas algas”.
Na Lagoa,  “ao longo deste verão, a invasão por este tipo de alga tem-se verificado em toda a costa da Lagoa, sendo quase constante” e, embora o seu impacto seja “mais visível” nas zonas balneares, “numa observação mais atenta, verifica-se a sua presença em toda a costa”.
De acordo com a mesma autarquia, os fenómenos de acumulação de algas “estão relacionados com o estado do mar e direção das marés”. E, embora se esteja num momento “de acalmia”, segundo a autarquia, isso não significa que o problema esteja controlado”, até porque “é conhecida e relatada a presença massiva desta alga no mar e no seu fundo, tanto por pescadores, mergulhadores e banhistas, pelo que que novos episódios de arrojamento na costa estarão apenas dependentes das condições e orientação das marés”.
A Câmara da Lagoa diz que, “dadas as características das zonas balneares do concelho de Lagoa, verifica-se uma impossibilidade de ações de limpeza por inacessibilidade de meios mecânicos e a impraticabilidade e inconsequência da remoção manual”. Contudo, salienta o município, embora sejam visíveis algas nas zonas balneares da Caloura, do Cerco e no Complexo de Piscinas da Lagoa, “a sua presença não tem inviabilizado o usufruto das zonas balneares, acima de tudo, julgo, pelas características particulares destas zonas balneares”. Já a zona balnear da Baixa da Areia, “completamente inacessível por meios mecânicos, já esteve interdita pela enorme acumulação de algas”, enquanto na zona balnear de Santa Cruz, “aquando do período de maior acumulação, optamos por retirar as algas acumuladas através de meios mecânicos”.
Em Ponta Delgada, o aparecimento desta alga foi registado apenas na praia dos Mosteiros, no início da época balnear, tendo sido realizados “trabalhos de limpeza e manutenção desta praia”, e as algas recolhidas  “transportadas e reaproveitadas pela Escola dos Ginetes como fertilizantes das suas estufas”.
E na Povoação, quando surgiu uma grande concentração de algas na Praia da Ribeira Quente, no mês de maio e início de junho, a autarquia procedeu à retirada das algas, quase todos os dias, transportando-as depois para um local para decomposição, tendo em conta que este material é biodegradável. Na Praia dos Pelames, foram menos significativas as ocorrências.
Na Ribeira Grande, “a zona balnear mais afetada tem sido a Praia dos Moinhos, no Porto Formoso, mas também já se registou a presença da alga invasora na zona balnear das Calhetas, embora com menor frequência e menor quantidade, e desaparecimento rápido por ação do próprio mar”. No caso da Praia dos Moinhos, “a autarquia tem procedido à remoção das algas, sobretudo à beira da água, com recurso a maquinaria adequada e limpeza manual”, estando a enterrar na areia as algas recolhidas, tendo em conta que não existe um acesso rodoviário que permita a sua remoção daquele local.

Problema “grave”
Para a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, este fenómeno constitui um problema ambiental “grave”. Contudo, adianta “até ao momento não houve contacto por parte de entidades ligadas à Universidade dos Açores, bem como não se percebe a atuação do Governo Regional que adquire máquinas de limpeza para algumas localidades, e, na ilha de São Miguel, não tem qualquer tipo de colaboração”.
A Câmara da Lagoa repara que não tem havido, até ao momento, articulação entre entidades. “Soubemos do estudo que o Governo Regional requereu através da Comunicação Social, numa clara assunção de que o problema não é pontual e localizado, mas abrangente e, pelo menos a curto prazo, permanente” e “estamos expectantes em relação a possíveis medidas que possam vir a ser adotadas para minimizar este problema”. “ O município não tem, por si só, conhecimento de como impossibilitar a presença destas algas e, não sendo agradável visualmente traz, acredito, outras consequências negativas ao nível do turismo, pescas e ambiente, causando eventualmente uma diminuição da diversidade de outras espécies nativas”.
A Câmara da Povoação, por sua vez, realça os milhares de euros gastos com a retirada de toneladas de algas.
E a Câmara da Ribeira Grande diz que este fenómeno, sobre o qual “não tem domínio”, é motivo de “preocupação para a autarquia”. “Tentamos minimizar o impacto para os banhistas e evitar a degradação ambiental no local, o que não é de fácil resolução”, e “até ao momento não tem existido ligação com qualquer outra entidade oficial”, repara.

Mau cheiro e mosquitos
A acumulação desta alga nas zonas balneares tem gerado algumas queixas dos banhistas, em especial no que se refere à  presença de mosquitos e de mau cheiro.
A Câmara da Lagoa refere relatos de “desconforto causado, relativamente ao cheiro e à presença dispersa [de algas] no plano de água”, e em Vila Franca e Ribeira Grande há queixas da presença de mosquitos.

Impacto na vida marinha
A investigadora Daniela Gabriel, envolvida no projeto de investigação científica CRYPTO - Identificação Molecular de Macrocalgas Criptogénicas com Potencial Invasor nos Açores, explica que a alga Rugulopteryx okamurae afeta em especial a costa sul de São Miguel e já está a produzir impacto na biodiversidade: “há uma grande diminuição de peixe, de estrelas do mar, de outras algas, por exemplo, em toda a costa sul de São Miguel”.
Mas, alerta a investigadora,  esta alga “tem um poder invasor muito grande” - “basta um pedaço da alga para dar origem a várias algas”, e “quanto mais se parte em pedaços, mais ela se propaga”, devendo por isso haver atenção redobrada aos locais onde ainda não se propagou, para uma intervenção atempada.
Segundo Daniela Gabriel,  “no ano passado, na costa norte havia muito pouca quantidade dessas algas, nomeadamente em locais protegidos como a piscina de São Vicente Ferreira, e agora já se vê dentro das piscinas, e ali à volta do porto também, ou seja ela realmente tem um poder invasor muito grande”.
No ambiente marinho, as opções não são muitas. “Se estivesse em terra, arrancava-se queimava-se, colocava-se herbicida... já no mar, pode-se por veneno se for numa poça, e pode-se cobrir com uma manta para as algas morrerem asfixiadas ou por falta de fotossíntese”.
Esta alga foi descrita no início do século XX no Japão e encontrada em 2019 nos Açores, sendo certo que nas duas ilhas onde esta se propagou - São Miguel e Faial, “não se agiu a tempo” por esta ser muito parecida com algas do género Dictyota que são nativas dos Açores. “O problema das invasões no espaço marinho é que quando estão num nível de invasão tão grande como o atual não há muito que se possa fazer”, reconhece.
Em julho, a Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas anunciou a realização de um estudo sobre a alga invasora Rugulopteryx okamurae, a sua ecologia e impactos e “potenciais abordagens mitigadoras que permitam lidar com esta problemática que se faz sentir a nível regional”.