Brasileiros partem para primeiro jogo divididos e desconfiados do ‘verde e amarelo’
Mundial2022
24 de nov. de 2022, 12:17
— Lusa/AO Online
O cenário das ruas de
Brasília, a capital do Brasil, pentacampeão, em busca do ‘hexa’ e que
para para ver a seleção de quatro em anos numa espécie de carnaval
antecipado, é tímido e só agora começou a ser pintado de ‘verde e
amarelo’ e bandeiras brasileiras, símbolos que passaram a ser vistos por
grande parte da população como referência de apoio ao ainda Presidente
brasileiro, Jair Bolsonaro, e ao seu movimento.A
gerente de um bar em Brasília explica à Lusa que o atraso em colorir o
bar de ‘verde e amarelo’ foi precisamente para evitar alusões políticas
num processo eleitoral que, na teoria, terminou há pouco mais de três
semanas com a vitória de Lula da Silva nas presidências, mas, que na
prática, ainda perdura e se sente diariamente na sociedade.Exemplo
disso são os protestos em frente aos quartéis militares, onde os
manifestantes apelam por um golpe de Estado para impedir a tomada de
posse de Lula da Silva, os bloqueios de estradas, ou mesmo o facto de o
partido de Bolsonaro ainda pôr em causa a legalidade do processo
eleitoral.“A seleção brasileira sempre foi
uma simbologia, do amor à pátria, da união”, de juntar as diferenças em
torno do futebol, numa celebração a cada quatro anos, começa por
explicar à Lusa o historiador brasileiro Creomar de Sousa.O
também Fundador da Consultoria de Análise de Risco Político Dharma
lembra, contudo, que ao longo dos últimos anos os símbolos brasileiros
foram sendo entregues “para um determinado espetro político”,
principalmente com a ascensão do “movimento de extrema-direita” que foi
“muito eficaz em capturar datas e símbolos nacionais” como se viu a 07
de setembro, nas celebrações do bicentenário da independência do Brasil.“À
medida que se persiste nessa ideia você tem como consequência direta o
facto de as pessoas que não querem ser parte dessa bolha, não querem ser
vistas como parte dessa bolha, [se] vão desapegando das simbologias”,
enfatiza.Uma sondagem encomendada pelo
jornal brasileiro Metrópoles demonstra isso mesmo: 26% dos brasileiros
afirmam que “pegaram ranço” da camisola verde e amarela ‘canarinha’ e
14% indicam que a campanha eleitoral mudou em definitivo a relação que
mantinham com a seleção brasileira.O
historiador recorda ainda que existia uma prática comum entre os
jogadores de não se pronunciarem sobre política. “Infelizmente o jogador
mais importante decidiu se manifestar politicamente”, relembra,
referindo a Neymar Jr que durante a campanha eleitoral partilhou um
vídeo na rede social TikTok, no qual dançou e cantou ao som da música
"vota, vota e confirma, 22 [número da urna] é Bolsonaro".“Chegou
a prometer durante a campanha eleitoral que caso fizesse golo, que o
primeiro golo seria em homenagem ao Presidente, Bolsonaro”, recorda
Creomar de Sousa.Devido a toda esta
situação o futebol, considera o historiador, passou a ser “enxergado
dentro dessa lógica de polarização, que um jogador que se manifesta a
favor da posição A é visto como bom, o jogador que se manifesta a favor
da posição B é visto como ruim”.A
juntar-se a isto tudo existe o facto de este ano o mundial ser realizado
logo depois do processo eleitoral, acrescentando uma “dificuldade das
pessoas em se desvincularem”.“As pessoas ainda estão machucadas pelas dores do processo eleitoral”, considera.Questionado
sobre se todo este clima irá sofreu uma volta de 180º quando a bola
começar a rodar, Creomar de Sousa aposta que vai “depender muito de como
esse 'time' vai jogar, de quem vai fazer esse golo e do tipo de
comemoração que vem”.“Não sei se o grupo
de jogadores entende o nível de pressão que se coloca sobre eles a
partir de uma lógica em que a seleção brasileira tem tanta importância”,
conclui.