Biden promete regresso do ‘made in’ América em discurso impetuoso e otimista
8 de fev. de 2023, 09:18
— Lusa/AO Online
“Estamos
a garantir que a cadeia de abastecimento para a América começa na
América”, afirmou Joe Biden, num discurso em que passou bastante tempo a
falar da economia, infraestruturas e emprego, e onde anunciou propostas
e medidas. Uma delas foi referente ao
fabrico doméstico. “Estou a anunciar novos requisitos para que todos os
materiais de construção usados em projetos de infraestrutura federais
sejam fabricados na América”, afirmou Biden. “Madeira serrada, vidro,
placa de gesso, cabos de fibra ótica feitos na América”, disse. Este
foi um dos pontos transversais ao discurso do Estado da União: o foco
na produção doméstica, no regresso aos bons empregos de colarinho azul e
o aceno a uma classe trabalhadora que se tem sentido “esquecida”, bem
como muita insistência nas reformas da saúde. Tudo
num contexto em que, apesar da queda da inflação, do crescimento
económico e do desemprego historicamente baixo, muitos americanos sentem
que o país está em má forma económica e a caminho de uma recessão. O
Estado da União, visto por dezenas de milhões de americanos, foi a
oportunidade de Joe Biden de mudar a narrativa e também de encostar os
republicanos à parede na disputa sobre o teto da dívida pública, que tem
se ser levantado para que o país possa pagar as contas. “Alguns
dos meus amigos republicanos querem tomar a economia como refém, a não
ser que eu aceite os seus planos económicos”, apontou Biden. “Em
vez de fazerem os ricos pagarem a sua parte, alguns republicanos querem
que a Medicare e a Segurança Social desapareçam”, disse. Vários
congressistas republicanos reagiram com apupos e vaias a estas
declarações, sendo que a extremista Marjorie Taylor Greene gritou mesmo
“mentiroso!”. O presidente sorriu e
interpelou os agitadores, invetivando-os a contactarem o seu gabinete
para receberem uma cópia daquela proposta. Perante a negação do outro
lado da bancada, Biden disse apreciar “a conversão” de congressistas que
agora “veem” que isto não deve ser feito. A proposta, do senador
republicano Rick Scott, está disponível no plano “Rescue America” de
2022. O momento foi um dos mais analisados
a seguir ao discurso. O ex-jornalista da Fox News Chris Wallace disse
que os republicanos “caíram na jogada” do presidente e o pivô da CNN
Jake Tapper considerou que os agitadores “ficaram a parecer mal e deram a
Biden uma oportunidade de parecer vigoroso”. Estas
trocas contrastaram com os apelos do presidente ao bipartidarismo e ao
trabalho conjunto com os republicanos para melhorar a vida dos
americanos. Muitas das propostas de que falou, desde a descida dos
preços da insulina ao fim das taxas escondidas nas reservas de viagens,
não são controversas. “Assinei mais de 300
leis bipartidárias desde que assumi a presidência”, afirmou Biden.
“Meus amigos republicanos, se trabalhámos juntos na última sessão do
Congresso, não há razão para não trabalharmos também neste”. A
mensagem e o tom do presidente agradaram ao público, com as sondagens
pós-discurso da CNN a resultarem numa avaliação positiva de 72% dos
eleitores. Foi um ponto percentual acima do desempenho no ano passado. A
energia combativa de Biden foi temperada em certos momentos-chave, como
a altura em que apresentou os pais de Tyre Nicholls, um afro-americano
que morreu espancado por quatro polícias em Memphis. O presidente
elogiou a coragem da mãe de Nicholls, que lhe disse que ele era “uma
alma bonita e algo bom sairá daqui”. Também
esteve presente Brandon Tsay, um jovem que lutou com o atirador que
matou 11 pessoas num estúdio de dança em Monterey, Califórnia. A
história foi o mote para falar da violência armada e da necessidade de
“banir as armas de assalto”. Biden também
se antecipou a alguns ataques republicanos. “Se vocês não vão aprovar a
minha extensa reforma da imigração, ao menos aprovem o plano para
fornecer o equipamento e agentes necessários para proteger a
fronteira”. Em muitas ocasiões, o
democrata falou de “terminar o que foi começado”, algo que foi entendido
como uma alusão à recandidatura para um segundo mandato como
presidente. Também se mostrou otimista e
não poupou elogios ao espírito e à alma da América, um país que emerge
“mais forte” das crises e é marcado pelo “progresso e resiliência”. Biden
abordou o fim da emergência de saúde devido à pandemia de covid-19, a
revogação do direito federal ao aborto e a crise de mortes provocadas
pelo abuso de opiáceos, em especial Fentanil. O
chefe de Estado fez ainda referência à China, depois de ter sido
abatido um alegado balão de espionagem no espaço aéreo norte-americano.
“Se a China ameaçar a nossa soberania, agiremos para proteger o nosso
país”, afirmou. Alguns comentadores apontaram para a brevidade com que o
tema foi tratado, um dos pontos fracos do discurso tendo em conta a
seriedade da situação. Também na política
externa, Biden saudou a liderança norte-americana na ajuda à Ucrânia e
na aliança transatlântica contra a invasão russa e a tirania, garantindo
que as democracias estão mais fortes. “Apostar contra a América nunca
foi uma boa aposta”, disse, levando a audiência a irromper em cânticos
de “USA! USA!”. O democrata prometeu continuar a apoiar a Ucrânia “pelo
tempo que for preciso”. “Porque a alma da
nação é forte, a sua espinha dorsal é forte e o povo da nação é forte, o
Estado da União é forte”, concluiu o presidente. “Somos os Estados
Unidos da América e não há nada que fique além da nossa capacidade se o
fizermos juntos”, acrescentou.O tom
otimista de Biden foi rejeitado por Sarah Huckabee Sanders, governadora
do Arkansas e ex-secretária de imprensa da Casa Branca de Donald Trump,
que entregou a resposta republicana. Sanders
traçou o retrato de uma América acossada pela “esquerda radical” e em
risco de perder as suas liberdades, perante um Joe Biden “fraco”,
incapaz de proteger as fronteiras e dominado pela opressão da “turba
woke” (socialmente progressista). “A
América é grande porque somos livres mas a nossa liberdade está sob
ataque”, resumiu, depois de falar de reformas na educação, que rejeitem
“a doutrinação” das crianças, e de uma nova geração de republicanos
prontos a lutar pelos cidadãos. “A escolha
não é entre a direita e a esquerda, é entre normal e maluco”, apontou
Sanders, argumentando que os republicanos são os normais e os democratas
os malucos. O comentador Van Jones
considerou que a resposta a fez parecer “mesquinha” de uma forma
desnecessária e o estratega David Axelrod afirmou que pode ter resultado
com a base do partido republicano mas que falhou em chegar ao
eleitorado em geral. Nas reações, o ex
vice-presidente Mike Pence disse que o discurso mostrou que “é tempo
para uma nova liderança republicana” e apontou “a liderança externa
falhada” de Joe Biden, espelhadas na guerra da Ucrânia e na retirada
“desastrosa” do Afeganistão. Já Nikki
Haley, antiga embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, criticou o plano
económico de Biden e as suas políticas relativas à fronteira, dizendo
que ele passou “dois anos a recusar-se a resolver a crise que criou”. O
Estado da União é tradicionalmente a arma de comunicação direta mais
poderosa de um presidente. No discurso do ano passado, 38 milhões de
americanos assistiram à transmissão televisiva.