Azeredo Lopes chocado com a facilidade com que os paióis podiam ser assaltados
Tancos
19 de nov. de 2020, 16:14
— Lusa/AO Online
"O
caso de Tancos era muito mais do que só uma investigação criminal. Era
saber o que aconteceu, o que justificou os paióis estarem naquele estado
e o que se poderia fazer para nunca mais acontecer [um furto]",
respondeu Azeredo Lopes no segundo dia de interrogatório como arguido no
processo sobre o furto e o achamento do material militar.Perante
"a facilidade quase absoluta como os paióis podiam ser assaltados, a
questão crucial era, no que dependesse de mim, isso nunca mais
acontecer", acrescentou.Segundo o
ex-ministro, "a perceção que havia na altura era que não foi um assalto
galáctico, com criminosos globais", já que "havia um informador
[conhecido por ‘Fechaduras’] e se ele sabia que poderia haver um assalto
este não deveria ser particularmente difícil de resolver".Sobre
os conflitos entre a Polícia Judiciária Civil (PJ) e a militar (PJM)
quanto à atribuição da investigação ao furto, Azeredo Lopes reiterou que
era sua convicção de que "não havia qualquer investigação paralela, nem
ilícita", dizendo que não teve dúvidas de que "a PJM estava a atuar
como coadjuvante na investigação", sob a direção do Ministério Público.Assumiu
também que as várias discrepâncias ocorridas ao longo do tempo, por
exemplo em relação à lista do material furtado ou à quantidade do mesmo o
irritaram, mas que, ao mesmo tempo, serenou quando soube que os
dispositivos considerados mais perigosos estavam obsoletos.Questionado
sobre os três documentos entregues no Ministério pelo ex-diretor da PJM
e arguido Luis Vieira, o antigo ministro disse que se tratou de uma
fita do tempo, uma análise jurídica sobre a passagem da investigação
para a PJ - decisão sempre contestada pelo coronel - e o despacho da
procuradora-geral da República a atribuir poderes à PJ."A minha convicção foi que o coronel tinha entregado os documentos para memória futura", afirmou.Outro
dos assuntos mais uma vez abordado no julgamento foi o memorando, um
documento sem data, sem assinatura e escrito em papel não timbrado que
foi recebido pelo seu chefe de gabinete, general Martins Pereira."Como
já disse, fui informado do essencial. O documento servia para explicar e
clarificar o ‘modus operandi’", insistiu, dizendo que este não seria
para dar entrada nos documentos do ministério e que devia ser
destruído".Questionado por um advogado
sobre se não ponderou entrega-lo a Joana Marques Vidal, Azeredo Lopes
justificou que considerou que o mesmo não continha qualquer alteração
substancial ao que já tinha sido dito num telefonema entre ambos.Depois
do referido telefonema, no qual a PGR lhe deu conta do desagrado
pessoal e institucional pelo facto de não ter sido informada sobre as
circunstâncias do aparecimento do material militar, na Chamusca em
outubro de 2017, e de não ter havido articulação entre as duas polícias,
Azeredo Lopes disse que ficou "serenamente à espera " de que fossem
instaurados procedimentos disciplinares [a elementos da PJM] pela PGR e
ainda que não tinha poder para os instaurar.Sobre
o desagrado manifestado por Joana Marques Vidal, o arguido insistiu
que antes de ser tornado público o achamento do material bélico por um
comunicado da PJM foi informado o Departamento Central de Investigação e
Ação Penal (DCIAP).Após o depoimento, o
advogado do ex-ministro disse aos jornalistas que seu cliente
"respondeu a todas as perguntas sem gaguejar" considerando que "até
demais", sustentando que "falar demais é uma característica dos
inocentes"."Respondeu a todas as perguntas
que lhe foram feitas e com clareza. Falou até demais e isso é uma
característica dos inocentes", disse Germano Marques da Silva,
aproveitando para criticar a forma como foi decorreu a fase de instrução
em relação ao ex-ministro."A instrução
não foi instrução, toda a gente sabe que nunca é naquele tribunal
[Central de instrução Criminal]", afirmou o advogado, numa critica ao
juiz Carlos Alexandre. O Ministério
Público considera que o Azeredo Lopes sonegou informação à
procuradora-geral da República sobre a recuperação das armas dos paióis e
quis que Joana Marques Vidal fosse complacente com a situação.Segundo
a acusação, Azeredo Lopes teve conhecimento da encenação, aceitou-a e
podia ter-se oposto e participado a irregularidade à PGR. Azeredo
Lopes, que se demitiu em outubro de 2018, está acusado de quatro
crimes: Denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal
praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de justiça.O
processo de Tancos tem 23 arguidos, dez arguidos respondem por
associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo, pelo
alegado envolvimento no furto do armamento e os restantes 13, entre eles
Azeredo Lopes, dois elementos da PJM e vários militares da GNR, sobre a
manobra de encenação/encobrimento na recuperação do material ocorrida
na região da Chamusca, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração
com elementos da GNR de Loulé.