Ativista iraniano assume que enquanto Khamenei for vivo não haverá mudanças
23 de jun. de 2024, 08:45
— José Sousa Dias, da agência Lusa
Numa
entrevista à agência Lusa, Rahmani, que esteve em Lisboa para
apresentar o livro “Tortura Branca”, escrito por Narges e que foi
editado em Portugal em abril pela Casa das Letras (Grupo Leya), admite
um cenário complexo e aponta que os perigos de um aumento da repressão
podem manter-se ou mesmo subir de tom num cenário de morte do líder
supremo do Irão. “[Todo o processo] é
muito complexo. Após a morte de Khamenei, muitas figuras podem aparecer
no contexto”, sublinha o ativista, que diz também não acreditar no atual
líder dos reformistas iranianos, Masoud Peseshkian, que “tem grande
lealdade a Khamenei” e que assume que a “’linha vermelha’ dele é
contrariar as palavras” do líder supremo. “Também
não entendo, mas a conversa dele [Peseshkian], em que se compromete a
cumprir a lei e a melhorar a vida do povo, que reduz o preço do dólar,
que está a sufocar o Irão. Por isso, se é para respeitar a ‘linha
vermelha’ do Khamenei, não sei. Mas sei que o voto do povo do Irão não
representa a vontade do povo iraniano”, frisa, num momento em que a
República Islâmica está a poucos dias de eleições presidenciais,
convocadas para 28 de junho após a morte do Presidente Ebrahim Raisi num
acidente de helicóptero em maio passado. Rahmani
lembra que, em 2018, nas eleições presidenciais que levaram à reeleição
de Hassan Rohani (presidente iraniano entre agosto de 2013 e agosto de
2021), o candidato vencedor teve 24 milhões de votos, mas que, quatro
meses depois, 20 das maiores cidades do país “fizeram manifestações a
pedir a morte da República Islâmica do Irão”.“Os
reformistas dizem que, quando Khamenei morrer, há mais espaço para
voltar a ter poder e que vai conseguir alterar as coisas. Mas é tudo uma
incógnita. Há muitos que dizem que o sucessor será o filho de Khamenei e
outros que serão personalidades do Ministério dos Assuntos Públicos,
mas não há nenhuma certeza”, afirma.“Mas
há uma certeza. (Na morte de Khamenei) o povo vai sair à rua e vai
festejar como o fez quando morreu Ebrahim Raisi”, diz, admitindo, porém,
que a população “ainda receia a repressão e tem medo”.Tendo como pano de fundo as futuras eleições presidenciais de 28 de junho, Rahmani defende que o futuro do Irão tem três saídas.“A
pior hipótese é a de que surja um ditador como o [Presidente da Rússia,
Vladimir] Putin no Irão. A segunda é o povo pressionar tanto o regime
para que o próprio regime venha a corrigir o rumo, tal como fez a
Espanha após [Francisco] Franco [caudilho entre 1936 e 1975]. A terceira
hipótese é a que haja uma revolução, que o povo saia à rua e que
derrube o regime”, menciona o ativista, adiantando ter ficado “bastante
surpreendido” por ficar a saber que Portugal teve uma revolução (25 de
abril de 1974) “sem uma única gota de sangue”.No
entanto, prossegue Taghi Rahmani, Khamenei tem presente a ideia de que,
no final da Primeira Guerra Mundial (1914/18), os vencedores “não
deixaram nenhuma fatia do poder para o povo iraniano”.“Nesse
contexto, Khamenei procura, agora, esse reconhecimento e o poder e
enquanto não o obtiver não deixará a liderança” do país, acrescenta,
argumentando que o líder supremo do Irão “aspira a uma guerra contra o
Ocidente”, mas numa altura em que o povo “está saturado e quer ter um
relacionamento normal com o mundo”.Questionado
pela Lusa sobre se o Irão pode vir a enfrentar um conflito armado
interno, Rahmani destaca que o regime de Khamenei “já entende o
movimento de massas como um de guerra civil”.“De
um lado há armas, do outro há punhos. E isto é uma resiliência cultural
e que vai continuar. Por motivos diferentes, irão acontecer novos
episódios. Atualmente, através da Internet, os nossos jovens estão
ligados a todo o mundo e querem viver e o regime do Irão tirou-lhes essa
oportunidade”, refere.Nesse sentido,
depois das eleições legislativas de março - que contaram com, “segundo
os duvidosos dados oficiais”, uma participação de 45% -, o ativista
acredita que as presidenciais nada irão adiantar quanto à possibilidade
de uma mudança na trajetória política e religiosa.“As
pessoas que foram nomeadas e em que o povo terá de votar já foram
escolhidas, de tal forma que não podem representar qualquer tipo de
perigo para o regime”, sustenta, realçando que a composição do Governo
iraniano, a forma como funciona, “é algo que não é comparável a nenhum
outro regime no mundo”.“Existe um líder
religioso, que não tem qualquer tipo de responsabilidade, mas manda em
todos, e depois tem um presidente e um primeiro-ministro que é escolhido
por ele e que têm de respeitar sempre o líder religioso. Ambos têm as
mãos atadas”, conclui.