As velas que perpetuam a tradição e cultura baleeira
9 de abr. de 2023, 00:00
— Rafael Dutra / Rui Jorge Cabral
Neuza Azevedo, de 36 anos, é natural das Lajes do Pico, estudou Design de Moda, na Universidade da Beira Interior e, atualmente, além de ser a presidente da Associação de Classe Bote Baleeiro Açoreano (ACBBA) é a única pessoa, nos Açores que faz a confeção de velas de botes baleeiros.A cultura baleeira é algo que lhe corre nas veias. O seu bisavô, conhecido por João das Vinhas, pai do avó materno João Baptista, foi baleeiro e mestre da lancha. O bisavô materno, pai da avó materna, João Tavares foi oficial e gerente de baleação em Santa Cruz das Ribeiras. “Ele (João Tavares) foi autodidata na confeção das velas de botes baleeiros e ensinou ao meu avô João Baptista. A minha família estava muito ligada à baleação, o meu bisavô começou a fazer, passou para o meu avô e depois fiquei eu”, conta Neuza Azevedo, em entrevista ao Açoriano Oriental.O processo, que envolvia a família, era realizado em casa ou, às vezes, para certas tarefas, no salão da filarmónica da sua freguesia. O seu avó era o principal responsável pelas velas, mas a sua avó tratava da parte da costura, e a sua mãe e tio também ajudavam, quando era necessário. Neuza, a partir dos 15 anos também já se envolvia na lida familiar, quer na parte de cortar, talhar e arredondar, tarefas mais complicadas devido às dimensões muito elevadas da própria vela.A tragédia na família acabou por culminar na necessidade de alguém assumir as rédeas deste trabalho. Neuza estava no segundo ano da faculdade, em 2008, quando o seu avô, João Baptista, que fazia as velas dos botes baleeiros, faleceu, de forma repentina. Então, pela necessidade de continuar a confeção das velas, acabou por ficar com a responsabilidade, “quase como de empurrão”. “Fiz o meu primeiro pano com a ajuda da minha mãe, um pouco à experiência. Não sabíamos se ia correr bem ou não. O primeiro trabalho que fiz correu bem e a partir daí continuei,” explica.Apesar de ter pegado na ‘tocha’ e continuado o legado familiar, Neuza nunca pensou que seria ela a dar seguimento à confeção das velas. “Pensei que seria a minha mãe ou o meu tio. Mas, uma vez que não quiseram, senti que tinha o dever de pelo menos tentar, porque acho que é importante manter a tradição das regatas baleeiras. A tradição é importante e a parte afetiva, por estar ligada à minha família muitos anos, claro que me fez querer continuar”, afirma. Segundo Neuza, havia uma empresa do continente que também fazia este trabalho, mas sendo a empresa mais industrializada, não fazia um processo que necessita ser realizado à mão, a costura de um cabo às partes laterais da vela. Assim, a jovem picarota é a única pessoa nos Açores que confeciona velas nos Açores. “Por norma todos os clubes náuticos fazem comigo. Nos Açores, quase todas as ilhas têm [clubes náuticos] e na América, em New Bedford, no Estado de Massachusetts, também já me pediram velas, quer para o museu quer para as regatas, [eles] também têm tradição nas regatas baleeiras”, explica Neuza.Regatas estas que não são desconhecidas à picarota, que começou a praticar, aos 15 anos, na vertente de remo, no clube náutico de Santa Cruz. “No Pico é muito vivenciado [as regatas baleeiras]. Praticamente todos os sábados há regatas, aquilo é quase o futebol do verão”, diz.Agora reside na ilha de São Miguel, há cerca de cinco anos. Vive por isso, uma realidade muito distante àquela presenciada no Pico e Faial, ilhas que considera ter uma “vivência da cultura baleeira muito mais vincada”, em comparação à ilha onde vive. “Em São Miguel, está muito esquecida, todas as fábricas, tudo o que era da cultura baleeira foi vendido ou destruído, não houve o cuidado de manter”, realça.Por isso, quando lhe questionaram se queria assumir o cargo de presidência na ACBBA, foi uma responsabilidade que teve o seu interesse. “A associação era pequena e muito dedicada à vela, eram pessoas que estavam na associação há muito tempo e estavam cansadas. Percebo porquê, nesta ilha tentar trazer as memórias da baleação e da cultura baleeira ao de cima era muito complicado, encontrámos entraves em tudo. Não estamos a conseguir as verbas e apoios que precisamos. E, uma vez que sou do Pico e faço a confeção das velas, foi um convite que aceitei. Tenho disponibilidade e é com orgulho que me vejo envolvida na cultura baleeira. Tenho dado o meu melhor”, conclui.