Arquivados 80% dos processos instaurados pela Comissão contra a Discriminação Racial
27 de fev. de 2020, 12:37
— Lusa/AO Online
O
projeto de investigação "COMBAT - O combate ao racismo em Portugal: uma
análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação" analisou
processos de contraordenação instaurados pela CICDR, entre 2006 e 2016 e
findos até fevereiro deste ano, em três áreas específicas (educação,
habitação/vizinhança e forças de segurança), refere a Universidade de
Coimbra, em nota de imprensa enviada hoje à agência Lusa.Ao
todo, foram analisados 106 processos, cerca de 45% da totalidade dos
processos instaurados pela comissão durante o período referido.Os
resultados mostram que "80% dos processos foram arquivados, sendo 22%
por prescrição", valor que aumenta para casos relacionados com a
habitação e vizinhança, em que o arquivamento por prescrição atinge os
47%, salienta a coordenadora do COMBAT, Silvia Rodríguez Maeso, citada
na nota de imprensa.Apenas 7,5% dos casos
resultaram em condenação, sendo que, se forem consideradas as
condenações impugnadas e anuladas em tribunal, a percentagem desce para
5,8% dos processos com condenação efetiva, salienta a investigadora do
CES.Cerca de um terço das queixas
apresentadas referem a discriminação "com base na origem étnico-racial
afrodescendente/origem africana/negro, 17% com base na origem
étnico-racial cigana e 44% com base na nacionalidade (principalmente
nacionalidade brasileira, ucraniana, romena e moldava)", afirma Silvia
Rodríguez Maeso, citada na nota.De acordo
com a coordenadora do projeto, a análise do estudo revelou "práticas
institucionais negligentes, que se revelam no número elevado de
arquivamento por prescrição (tanto no âmbito da CICDR como das inspeções
competentes em cada área)"."A falta de
resposta atempada e os conflitos negativos de competências indicam
falhas sistemáticas no acesso à justiça e desproteção dos cidadãos
perante os processos burocráticos", acrescenta a investigadora, chamando
ainda a atenção para "a ausência de desenvolvimento de uma doutrina
jurídica e jurisprudência no âmbito da discriminação racial".Para
Silvia Rodríguez Maeso, constata-se uma desproteção dos queixosos no
processo de instrução, "sobretudo na área relativa à intervenção das
forças de segurança", aquando da apreciação da prova produzida e
apuramento dos factos."Por outro lado,
identifica-se a persistência de um entendimento limitado por parte dos
órgãos competentes do que constituiria "ódio racial" ou discriminação
racial, que está presente também na forma como o racismo é traduzido na
legislação", salienta.Vinte anos após a
promulgação da lei que proíbe e sanciona a discriminação racial e 15
anos volvidos da transposição da Diretiva Europeia de Igualdade Racial
para a ordem jurídica portuguesa, "considera-se urgente a abertura de um
debate público sobre a implementação e efetivação desta legislação",
vinca Silvia Rodríguez Maeso.O projeto,
que envolveu investigadores de várias áreas, como sociologia política,
sociologia do direito ou antropologia, apresenta na sexta-feira as
conclusões da investigação, durante o seminário "O estado do racismo em
Portugal: a legislação de combate à discriminação racial em debate", a
decorrer às 11:00, no Museu do Aljube, em Lisboa.