Arguidos suíços reclamam no STJ contra rejeição de pedido para anular saída de Ivo Rosa
BES/GES
30 de set. de 2022, 18:56
— Lusa/AO Online
Segundo a
reclamação dirigida à Conferência do Supremo (STJ), a que a Lusa teve
acesso, os advogados de Etienne Alexandre Cadosch e Michel Charles
Creton questionam a decisão singular do STJ, de 23 de setembro último,
que rejeitou liminarmente a providência cautelar, invocando, para tanto,
"a manifesta ilegitimidade" dos requerentes suícos para revogar a
substituição de Ivo Rosa por outro juiz no processo BES/GES.Entre
outra fundamentação, Tiago Rodrigues Bastos e outros advogados dos
arguidos suícos invocam nulidade da decisão do STJ, alegando que a
"decisão de rejeição liminar foi tomada sem contraditório prévio". "Não
se pode, naturalmente, argumentar, em sentido contrário, afirmando que a
evidência da causa de rejeição determina a desnecessidade do
contraditório, já que, em rigor, tal exercício serviria para limitar o
próprio acesso ao recurso. O contraditório existe, como direito
fundamental, precisamente para evitar que alguém, sobretudo em matéria
de direito, tenha o poder de decidir, sem consideração pelas razões da
parte, aquilo que, no seu isolado entender, é ou não evidente", diz a
reclamação, considerando que, sem contraditório, a decisão do STJ de
rejeitar a providência passa a ser "inexoravelmente, nula".A
reclamação alega também "erro de julgamento" por a decisão singular do
STJ considerar que Etienne Cadosch e Michl Creton "não têm nenhum
interesse pessoal e direto" na forma concreta como o Conselho Superior
da Magistratura (CSM) decide a colocação dos juízes (substituindo Ivo
Rosa), declarando falta de legitimidade dos arguidos súcios para efetuar
o pedido."As regras legais acerca da
organização judiciária, competência do CMS e movimentação de juízes são
regras que concretizam princípios constitucionais que atribuem,
diretamente, direitos aos cidadãos, nomeadamente aos requerentes
(Etienne Cadosch e Michel Creton)", sublinha a reclamação.A
reclamação alude ainda à aparente negação de acesso à justiça e à
tutela jurisdicional e aponta inconstitucionalidade normativa da decisão
singular do STJ, considerando que a mesma belisca e coloca em causa
"valores essenciais" do sistema jurídico.De
acordo com a reclamação, "limitar a legitimidade ativa dos requerentes e
de qualquer cidadão que entenda que esses atos são ilegais e que,
diretamente, violam direitos constitucionalmente consagrados,
nomeadamente no que respeita às garantias de defesa dos arguidos (...) é
inconstitucional" por violação de vários artigos da Lei Fundamental."É
essencial que um cidadão não escolha o juiz que quer para a sua causa,
todavia, é absolutamente decisivo, no quadro do nosso sistema
constitucional, que não seja negada, a qualquer cidadão, a possibilidade
de sindicar a legalidade do processo e da decisão que, concretamente,
lhe atribui ou remove um juiz de um caso em curso, especialmente quando
está em causa matéria criminal, questionando uma nomeação ou remoção
arbitrária", conclui a reclamação.Nestes
termos, é pedida que a presente reclamação para a Conferência do STJ
seja julgada procedente, declarando-se a respetiva nulidade da anterior
decisão singular do STJ, admitindo-se e dando seguimento à providência
cautelar interposta.A providência cautelar
visou o Conselho Superior da Magistratura (CSM) e tinha caráter urgente
para a suspensão da eficácia dos atos administrativos do CSM relativos à
substituição de Ivo Rosa.Ao rejeitar a
providência cautelar, o STJ entendeu que a impugnação de tais atos só
pode ser acionada pelos "interessados, pessoal e diretamente visados",
ou seja, pelos próprios juízes, concluindo que os requerentes não têm
qualquer interesse direto e pessoal para impugnar ato administrativo do
CSM relativo à colocação de um juiz num determinado tribunal."Os
requerentes não têm certamente o direito de escolher o juiz de
instrução nem, em todos os casos, de exigir a manutenção de um concreto
magistrado", diz a decisão singular do STJ.Em
causa estavam as decisões do CSM no âmbito do movimento judicial
ordinário, efetivado este mês, que consagrou a promoção do juiz Ivo Rosa
à Relação de Lisboa - embora suspensa devido a um processo disciplinar
-, a afetação do lugar de Juiz 2 do TCIC a Artur Cordeiro, que está em
comissão de serviço como presidente da Comarca de Lisboa, e, por fim, a
substituição pelo juiz Pedro Santos Correia, um dos magistrados que
entrou para o TCIC e que tem quatro anos de experiência (incluindo o
período de formação no Centro de Estudos Judiciários).Etienne
Cadosch é acusado de 18 crimes (entre os quais associação criminosa,
corrupção passiva no setor privado, burla qualificada, branqueamento,
falsificação de documento, infidelidade e manipulação de mercado),
enquanto Michel Creton responde por 17 crimes (incluindo associação
criminosa, burla qualificada, branqueamento, falsificação de documento,
infidelidade e manipulação de mercado).O
processo BES/GES contava inicialmente com 30 arguidos (23 pessoas e sete
empresas), mas restam agora 26 arguidos, num total de 23 pessoas e três
empresas. Considerado um dos maiores
processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no
processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas
de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e
no estrangeiro. Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação
contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito
Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil
milhões de euros.