Autor: Susete Rodrigues
André Melo, natural da Ribeira Grande, cresceu na freguesia da Ribeirinha. Mais tarde, a família mudou-se para o lugar das Gramas. Conta-nos que os pais foram trabalhar para os Estados Unidos da América “quando era muito pequenino e fiquei com os meus avós. Depois eles voltaram”.
Refere que teve uma infância feliz e sempre foi muito criativo. Adianta que “não havia muita coisa para fazer e, então, a minha mãe colocou-me nos escoteiros, mas não gostei; a minha mãe colocou-me no coro da igreja e fui meia dúzias de vezes, porque também não gostei, e lembro-me de comentar o porquê de não ter gostado, porque os ensaios para mim não eram suficientes, nós nunca ensaiamos uma música completa”.
Recorda que tinha muitos livros de histórias e “gravava-me a contar essas histórias, mas só para eu ouvir. Penso que o meu primeiro contacto com o mundo artístico foi assim, através da música e essas histórias. Acho que sempre fui um contador de histórias, mas sempre tive muita vergonha de as contar para as outras pessoas”, explicando que essa sua vergonha tinha muito a ver com “o medo de falhar”. Ainda assim, a partir dos 13/14 anos “comecei a fazer peças na escola”. Uma das suas primeiras peças foi o ‘Auto da Índia’ e “penso que foi a primeira vez que me senti em casa comigo próprio, porque foi uma liberdade muito grande”, afirmou. Nessa ocasião, recebeu o convite da “Joana Melo e da Elisa Gomes para fazer parte do Anfiteatro, um grupo de teatro da Ribeira Grande”.
André Melo diz que apanhou “uma altura incrível na Ribeira Grande, que foi a reabertura do Teatro Ribeiragrandense, a entrada de fundos europeus e recebemos muitos artistas, formadores e atores. Tivemos formações gigantescas, que se formos contabilizar as horas, dão mais horas que uma licenciatura em teatro... Foi um período incrível”.
Aos 17 anos foi convidado pela direção da Pontilha - Associação Cultural e Desportiva da Ribeira Grande para “ficar à frente da escola de teatro. Na altura achei que era muito novo para isso”. Mas aceitou o desafio. Depois, “veio cá o António Terra para encenar um espetáculo para o Anfiteatro com a participação da Pontilha, ‘O Auto da Compadecida’. Era um espetáculo de quase duas horas e eu era uma das personagens principais. Foi um sucesso muito grande e fizemos várias apresentações, todas esgotadas”, contou.
Uns meses mais tarde a vida de André Melo iria mudar, com um convite de António Terra para integrar o elenco dessa mesma peça, que iria estrear no Teatro Tivoli, em Lisboa. “Na minha inocência, ainda lhe disse: ‘vou pensar’. Só tinha 17 anos e tinha que perguntar ao meu pai e à minha mãe, tinha que lhes pedir autorização para viajar. Mas fui, e foi a minha primeira experiência profissional em Lisboa. Eu abria o espetáculo no Tivoli e foi uma loucura, foi mesmo uma experiência incrível”, mas também foi “muito duro porque estava a entrar numa companhia profissional, com um grande ritmo de trabalho, com cinco a seis horas de ensaio por dia”, mas foi “uma bagagem gigante”.
Após uns meses, André Melo regressou a São Miguel, continuou a fazer teatro por cá, mas chegou a uma altura em que tinha de decidir que curso iria escolher na universidade. Lembra que “quando me sentei com os meus pais e lhes disse que estava a pensar em ir para uma escola superior tirar cinema, houve um silêncio...”. Então, começou a pensar no que poderia fazer como ‘plano b’. Como sempre teve interesse pela área da comunicação, “olhei para tudo o que havia - não queria ficar na Universidade dos Açores porque queria ter uma experiência fora, queria crescer - e escolhi jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social em Lisboa”. Afirma que “entrei no curso muito feliz, entrei na minha primeira opção e disse que iria fazer aquele curso como se fosse um curso de teatro”. E assim foi.
Não sendo uma prioridade exercer a profissão de jornalista, salienta que “quando regressei - sempre pensei em regressar - ainda passei pela Rádio Nova Cidade e estive na Antena 3. Durante algum tempo até foi interessante, mas eu não era feliz e foi quando decidi que iria voltar ao que realmente me faz feliz. Aquilo que me preenche é o teatro, a arte”.
Ainda assim, questionado se fez uma boa escolha em ter feito a licenciatura em jornalismo e não ter ido para uma escola superior de teatro, André Melo, afirma que sim, esclarecendo que “isso foi uma coisa com que me debati durante algum tempo...”, ou seja, “queres ser ator mas não foste tirar um curso de teatro... como se gere isso…”. Ora, “a verdade é que crescemos e amadurecemos e percebemos uma coisa: o que o curso de jornalismo me trouxe, um curso de teatro nunca iria trazer-me, que foi a capacidade de comunicar os meus espetáculos, vender os meus espetáculos, de saber como falar com as pessoas. Através do curso de jornalismo tornei-me um ótimo produtor, porque ensinou-me todas as áreas da comunicação que são essenciais e continuei a fazer formação”.
Após a sua experiência em rádio e tendo decidido seguir o seu caminho nas artes, André Melo reativou a Pontilha, e em 2012 criou a Noite do Sketch. Do seu percurso pelas artes, recorda-nos os “imensos espetáculos e colaboração; trabalhei muito com o Mário Moniz na área da música para a infância e espetáculos para a família. Criamos vários espetáculos com a Musquim - sou membro fundador da Musiquim”. Entre 2018 e 2022, desempenhou funções de produtor no Estúdio 13. Paralelamente, colaborou com o 37.25 - Núcleo de Artes Performativas, continuando a dinamizar sessões de expressão artística “em creches e jardins de infância, continuava com a Pontilha... De repente, já estava a fazer tudo ao mesmo tempo. Foi então que decidi que estava na hora de voltar a investir só em mim”.
Neste seu percurso pelas artes surge-lhe um convite um pouco diferente, mas igualmente desafiador que foi o de dar aulas na Universidade dos Açores: “Já tinha feito uns minis workshops para os cursos de Educação Básica e o agora vice-reitor da Universidade dos Açores, Adolfo Fialho, convidou-me para ficar com a cadeira dele de expressão artística 1, que no fundo é expressão dramática. Este é já o terceiro ano que estou a dar aulas e tem sido um desafio muito bom, porque é outro público”. Por outro lado, afirma que “sentir que posso estar a contribuir para a formação de próximos professores e estar a ensinar uma coisa que a mim me diz muito, que é a importância da arte na infância, tem sido um desafio muito giro e tenho gostado muito desse desafio. Em princípio é para continuar”.
Sobre projetos artísticos para o futuro e com o sonho de um dia poder “encenar um grande musical, de conseguir reunir tudo o que é preciso para um grande musical”, André Melo tem outro projetos em andamento, um deles a estrear em junho deste ano, no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande: “Com a Catarina Medeiros e a Vanessa Canto, estamos a preparar um espetáculo de dança. É a primeira vez que vou encenar/ dirigir um espetáculo de dança. É um novo desafio”, frisando que “se não tivesse ido para o teatro, teria ido para a dança. Adoro teatro, mas a dança tem um lugar muito especial”. André Melo fala-nos de um outro projeto que poderá surgir muito em breve e que tem a ver com ex-alunos da Pontilha: “Estou em contacto com ex-alunos meus, que fizeram parte da Pontilha e foram tirar licenciaturas em teatro, para organizarmos um espetáculo”, adiantou, para sublinhar que fica muito emocionado em saber que estes alunos querem “partilhar o palco comigo, alunos que sinto, que de alguma forma, tenho responsabilidade no percurso deles”. De resto, diz que “vou um pouco ao som do vento... vão sempre aparecendo umas coisas para fazer e por mais que queira dizer não, não consigo porque é sempre um desafio”.