Autor: Rui Jorge Cabral
Quanto em 1982 a francesa Michèle Mouton quase ganhou o campeonato do
mundo de ralis, os adeptos do automobilismo pensaram que um novo mundo
se iria abrir, num desporto onde homens e mulheres pudessem lutar pela
vitória ao segundo nas estradas.
Mas passados quase 40 anos, Michèle Mouton continua a ser o que era no seu tempo - uma exceção - e os ralis, bem como o desporto automóvel em geral, permanecem uma atividade essencialmente masculina.
Nos Açores, só por uma vez, na época de 1992, houve uma dupla feminina que disputou o campeonato regional de ralis numa equipa oficial, com um patrocinador que evitava que o piloto tivesse de pagar a totalidade ou pelo menos grande parte das avultadas despesas inerentes aos ralis.
A dupla era constituída pela piloto Ana
Álvares Cabral, navegada por Cristina Gusmão, que correram num Renault
11 Turbo do famoso Team Apolo 20, com o apoio oficial da Fábrica de
Tabaco Micaelense (FTM), que viu na altura numa dupla feminina uma
importante ferramenta de marketing. E a verdade é que, mesmo longe de
lutar pelas vitórias à geral, o Renault 11 Turbo cor-de-rosa, como ficou
conhecido, não passava despercebido a ninguém.
Ana Álvares Cabral,
natural de Ponta Delgada e hoje com 52 anos, nunca mais regressou aos
ralis desde essa longínqua época de 1992, mas mantém-se na berma da
estrada, como adepta da modalidade. Em entrevista ao Açoriano Oriental,
recorda mesmo a sensação que mais reteve, que era o momento antes de
arrancar para um troço cronometrado, em que “aquele minuto antes da
partida era interminável, um nervoso miudinho e muita adrenalina”.
Em
1992, com pouco mais de 20 anos, Ana Álvares Cabral recorda também que
“embora fosse novinha, senti sempre uma responsabilidade muito grande,
pois além do carro não ser meu, levava uma pessoa ao meu lado e
qualquer deslize podia dar asneira”.
O seu interesse pelos carros e pelos ralis começou ainda em criança “quando os ralis se faziam de noite e íamos para a porta de casa ver os carros a passar a caminho da avenida para a chegada”. No entanto, reconhece, “nunca me passou pela cabeça que um dia teria essa oportunidade”.
E as peripécias na época
de 1992 começaram logo no banco do lado direito. Conforme recorda Ana
Álvares Cabral, “a minha copiloto foi a Cristina Gusmão em sete ralis,
mas a Piedade Silva fez um deles, pois a Cristina também era jogadora de
vólei e, nesse fim de semana, tinha jogo. Na altura, elas estavam na
primeira divisão e era um jogo importante”.
Terminar os ralis foi o
principal objetivo da dupla feminina do Team Apolo 20 em 1992 e, por
isso, chegar ao fim da prova rainha do desporto automóvel açoriano - a
Volta à Ilha - e logo no primeiro ano em que ela contou para o
Campeonato Europeu de Ralis (ERC), foi o ponto alto da época. O primeiro
rali nesse ano, disputado na ilha Terceira, também foi marcante para
Ana Álvares Cabral, “pois além de não saber ao que ia, conduzi o carro
pela primeira vez já só em Angra do Heroísmo, dois dias antes da prova”.
Ao longo dessa época de ralis inesquecível, as histórias foram
muitas. Uma delas passou-se nas Sete Cidades, quando “estávamos a
treinar e parámos na freguesia para um café. Quando chegámos ao carro,
tinha um furo. Os homens que estavam no café vieram para a rua para nos
ver mudar o pneu, mas nem um se ofereceu para ajudar. Deu-me um ‘génio’ e
mudámos o pneu em três tempos”.
Da sua experiência nos ralis, Ana Álvares Cabral recorda que “havia uma camaradagem enorme no grupo de trás” e os ralis “eram um divertimento constante”.
Quanto ao facto de ainda hoje haver poucas mulheres nos ralis, Ana Álvares Cabral admite que talvez se deva, por um lado, à natureza mais ‘cautelosa’ e menos ‘aventureira’ das mulheres, sem generalizar e, por outro lado, também devido à acumulação de responsabilidades de trabalho e família, que ainda pesa mais sobre as mulheres do que sobre os homens, quando os ralis são um desporto que exige muito tempo e dedicação.
Por fim,
como adepta de ralis, Ana Álvares Cabral afirma que “precisamos de mais e
de bons pilotos porque, infelizmente, este é um desporto muito caro e
nem todos têm a possibilidades de mostrar os seus dotes
automobilísticos, ou sequer tentar”.