Aplicação do PRR na Marinha entre os desafios do novo CEMA Gouveia e Melo

27 de dez. de 2021, 10:21 — Lusa/AO Online

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na área específica da Marinha, prevê, em concreto, a criação de uma plataforma logístico-científica, por um valor de cerca de 112 milhões de euros. Na conceptualização desta plataforma, o agora promovido a almirante Gouveia e Melo teve, aliás, um papel relevante, segundo adiantaram à Lusa fontes da Defesa. Esta terá sido uma das razões que ditou a sua escolha para o cargo, para além de ter desempenhado um papel chave junto do atual Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, o almirante Silva Ribeiro.A plataforma, que deverá funcionar principalmente no Instituto Hidrográfico, poderia, em caso de emergência, como, por exemplo, a ocorrência de um terramoto nos Açores, passar para o Comando Naval. Esta plataforma integra o investimento designado como o “Centro de Operações de Defesa do Atlântico e Plataforma Naval”, no capítulo relativo ao Mar e ao desenvolvimento da chamada “economia azul” do PRR. De acordo com o texto do plano, este centro e a plataforma naval “contribuirão para a preservação do valor dos serviços ecossistémicos e para a ‘saúde dos oceanos’, fazendo a defesa do meio e do território, mantendo a preservação das cadeias de valor das diversas indústrias oceânicas e reforçando a capacidade operacional e científica do país”. A Marinha ver-se-ia, assim, integrada num 'hub' do mar, para o que está igualmente previsto reforçar as qualificações especializadas no setor naval, através da Academia do Arsenal, que passará a integrar um Centro de Inovação e Experimentação. Esta ideia da Marinha como centro de um “hub” em que se conjugam valências de defesa, em particular no chamado “triângulo estratégico português (continente-Açores-Madeira), incentivo à construção naval com um tipo novo de navio “multipropósito” (capaz de diversas funções através de uma forma modular) e valorização de recursos, tem sido muito acarinhada pelo até agora vice-almirante Gouveia e Melo. Exemplo disso é o texto que escreveu nos Cadernos Navais, em 2019, no qual explana as suas ideias sobre uma “Marinha útil e verdadeiramente significativa” e, no fundo, a sua visão para a Armada.Elemento fundamental nesta estratégia é a chamada “marinha de duplo uso”, em que a evolução tecnológica e a robotização têm um papel fundamental, segundo Gouveia e Melo. “Uma Marinha verdadeiramente útil ao país deve centralizar as funções operativas do Estado no mar como forma de racionalizar os recursos nacionais”, escreve o vice-almirante. E adianta: “No contexto português, estas tarefas devem ser suportadas por uma Marinha de capacidade oceânica, que desempenhe as funções tradicionais das Marinhas de Guerra e das Guardas Costeiras, ou seja, uma Marinha de modelo holístico e pós-moderno”, uma ideia polémica tendo em conta a atual organização, em que a guarda costeira está a cargo da GNR. Segundo Gouveia e Melo, “uma Marinha assim concebida será o órgão do Estado com obrigação de apoiar todas as entidades que, em razão das suas competências e do espaço, tenham que atuar no mar”. Para cumprir a sua missão, a Marinha terá que apostar fortemente num novo tipo de navios, entre os quais “sucedâneos” das fragatas, na medida em que estas, “tal como hoje as conhecemos e concebemos, são navios datados, fora de época”. “No futuro, não muito longínquo, serão navios mistos, com alguma capacidade anfíbia, com uma robusta defesa próxima, portadores/transportadores de armas de longo alcance e de um núcleo variado de 'drones'”. No texto, Gouveia e Melo mostra-se também crítico da hierarquia, considerando que o “laxismo nunca foi bom, muito menos em organizações que se encontram permanentemente a ser testadas, como é o caso da Marinha”. A próximas promoções dos oficiais-generais da Armada – vice-almirantes, contra-almirantes e comodoros – serão, pois, um teste às suas teses e à sua já reconhecida capacidade de liderança. Os próximos três anos serão decisivos para se perceber se o novo almirante e “herói nacional” devido ao seu papel no processo de vacinação conseguirá levar a cabo a sua “revolução”.