Antigo gestor da SATA diz que exercício de autoridade "não pode estar condicionado"
19 de dez. de 2018, 18:50
— Lusa/AO Online
"Mal vai alguém
que tem responsabilidades numa empresa se condiciona o exercício de
autoridade a eventuais decisões judiciais no futuro", considerou Luís
Parreirão, ouvido em Ponta Delgada na comissão de inquérito parlamentar à
gestão do setor público empresarial dos Açores.Sustentando
não se querer pronunciar em concreto "sobre decisões de tribunais", o
gestor sinalizou, todavia, que a decisão em causa é "a primeira tomada
naquele sentido", de condenação da empresa.A
transportadora aérea SATA confirmou recentemente que o Supremo Tribunal
da Justiça (STJ) "declarou a ilicitude do despedimento" de um seu
piloto por críticas no Facebook, embora, advoga a transportadora
açoriana, comprovando comportamentos "ilícitos" do antigo profissional
da companhia.A
agência Lusa noticiou recentemente que a SATA foi condenada a pagar
mais de 328 mil euros a um piloto comandante despedido em 2015, após o
trabalhador ter criticado um administrador da companhia aérea na rede
social Facebook, segundo o STJ.No
acórdão, o STJ declarou a “ilicitude do despedimento, manifestamente
abusivo”, e condenou a SATA a pagar 55.250 euros a Luís Miguel Sancho “a
título de indemnização substitutiva da reintegração, bem como ao
pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do
despedimento até ao trânsito em julgado” da decisão, agora proferida.Segundo
o Supremo, o piloto foi despedido em 15 de dezembro de 2015, auferindo,
à data, um rendimento ilíquido base de 6.500 euros mensais. De
acordo com as contas da Lusa, relativamente aos salários destes três
anos, o trabalhador irá receber uma indemnização, no mínimo, de 273 mil
euros. A SATA,
contudo, dá a entender que o valor será menor, sustentando que foi
decretado que o ex-trabalhador receba as retribuições que deixou de
auferir desde a data do despedimento à data de trânsito do acórdão, mas,
a tal montante, "serão deduzidas todas as quantias que o referido
ex-trabalhador auferiu ao serviço de outras empresas, desde a data em
que saiu da SATA, sendo o apuramento de tal montante final feito em
decisão de liquidação do referido acórdão".“O
trabalhador goza, tanto no âmbito da empresa, como fora dela, de
liberdade de expressão, ainda que tal liberdade não seja limitada,
havendo que atender aos deveres de respeito, urbanidade e probidade. Na
aferição da gravidade de afirmações ofensivas para um administrador, há
que ponderar as circunstâncias concretas do caso: o facto de tais
afirmações serem proferidas no Facebook pelo trabalhador em momento de
indignação, sem identificar o seu empregador, e a ausência de danos
graves para o empregador”, sumariza o STJ.O
trabalhador publicou o 'post' em 15 de setembro de 2015, pouco depois
de tomar conhecimento de que tinha sido suspenso de funções, no âmbito
de um inquérito aberto pela empresa sobre um episódio ocorrido cerca de
uma semana antes.Na
publicação, Luís Miguel Sancho informava que tinha sido “novamente
suspenso”, a segunda vez em seis meses, e que tal teria “contornos de
tentativa de recorde ou de perseguição”.“Agora
foi 'em virtude do comportamento adotado para com um Sr. Administrador'
(puto mal educado, prepotente), o qual configura falta de respeito para
com a administração da empresa; e a falta de respeito que esta gente
tem para com quem trabalha, se fosse meu filho, levava um par de
lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature.
Confundem autoridade com autoritarismo e não percebem que a autoridade
se não for aceite, não serve de nada, se querem ser respeitados, deem-se
ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que
há tempos disse, 'eles andam aí', os filhos (…)”, escreveu o então
piloto comandante.O
'post' diz respeito a uma situação ocorrida em 07 de setembro de 2015,
quando Luís Miguel Sancho era piloto comandante de um voo de Lisboa para
Ponte Delgada. Ao chegar à aeronave, o piloto constatou que o avião
estava “a ser alvo de uma intervenção” pelos serviços de manutenção,
devido a uma avaria no painel de instrumentos.O
piloto foi então questionado pelo departamento de operações de voo da
empresa sobre a razão do atraso, na sequência do contacto de um
administrador da companhia aérea, que estaria a bordo e que queria saber
a que se devia o atraso.Na
qualidade de comandante de voo, respondeu que “já tinha comunicado a
razão do atraso e que aguardava a resolução da intervenção técnica
solicitada”, relata o STJ.Cerca
de 30 minutos após os passageiros se encontrarem no interior da
aeronave, o comandante comunicou que o atraso se devia a “razões
técnicas”. Após
a explicação, Francisco Gil, à data vogal do conselho de administração
da SATA, e um dos passageiros, contactou o setor de coordenação e
controlo operacional da empresa que, posteriormente, o informou de que
se tratava de um problema de manutenção que tinha de ser resolvido.O
STJ conta que Luís Miguel Sancho dirigiu-se então ao lugar em que
estava sentado Francisco Gil e disse: “Posso ajudá-lo?”, acrescentando
que lhe estavam a ligar das operações a fazer perguntas sobre o atraso e
que o que tinha a dizer já tinha dito no anúncio aos passageiros".Francisco Gil respondeu: “Eu sou administrador da SATA, tenho o direito de questionar…”.Na resposta, o comandante do voo respondeu-lhe que “ele ali era um passageiro igual a todos os outros”, descreve o Supremo.