Angra do Heroísmo comemora 50 anos do 25 de Abril com marchas de São João
20 de jun. de 2024, 10:12
— Lusa
“Não há
dúvida nenhuma de que é precisamente entre o povo e com a linguagem do
povo que o 25 de Abril dialoga melhor. O lugar do 25 de Abril é numa
marcha de São João. É o seu lugar por excelência”, afirma, em
declarações à Lusa, o escritor Joel Neto, natural da ilha Terceira.As
festas concelhias de Angra do Heroísmo celebram o São João durante 10
dias, com música, desfiles, touradas, gastronomia, artesanato,
exposições, desporto e marchas populares, entre outras atividades.Na
noite de São João, vão desfilar pelas ruas da cidade, decoradas com
cravos vermelhos, 37 de 42 marchas populares inscritas, o número mais
elevado de sempre.Pela terceira vez, Joel
Neto e a mulher, Marta Cruz, vão integrar a marcha oficial das
Sanjoaninas, a primeira a descer a Rua da Sé, mas este ano assinam
também a letra, que tem como título “O cravo que te dou no São João
(persiste urgente amar e transgredir)”.“Investem
dois fascistas aspirantes/ E trazem o semblante do ardor/ Mas tu não és
lugar de ditadura/ És Angra, és mulher: não passarão/ O ódio, a
propaganda, a censura” serão alguns dos versos cantados.Joel
Neto admite que a letra é mais extensa do que a de marchas anteriores,
mas garante que quase todos os marchantes já a têm na ponta da língua.“Uma
coisa agradavelmente surpreendente foi que durante os ensaios
percebemos rapidamente que nós éramos as pessoas que pior sabiam a letra
de cor. Eu ainda me engano às vezes nalguns versos e a maior parte dos
marchantes fez um esforço sistemático para fazer face a essa exigência
que a letra tinha, que era ser muito extensa, e para estar à altura do
momento que é a celebração dos 50 anos do 25 de Abril”, conta.O
jornalista e escritor, que viveu duas décadas em Lisboa, regressou em
2012 à ilha onde nasceu e há dois meses abriu uma livraria no centro da
cidade, que é Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês).Foi
desafiado pelo município de Angra do Heroísmo a propor um tema para a
edição de 2024 das Sanjoaninas e achou que “não havia outra proposta
possível”.“O 25 de Abril é a data mais
importante de toda a história de Portugal. Dá início a um período de paz
e prosperidade sem qualquer paralelo remoto sequer na história de
Portugal. É a data mais formidável, mais dotada de esperança, com maior
capacidade de fazer as pessoas sonhar”, justifica.Para
o escritor, é “particularmente urgente” celebrar a data num momento em
que se veem por todo o país “sinais crescentes de condescendência para
com o regime que o 25 de Abril veio extinguir”.“Evidentemente
que estes setores da sociedade são ainda amplamente minoritários, mas
estão a crescer e é importante contê-los. E nós vamos contê-los
celebrando a vida, que é a maneira como a Terceira faz as suas grandes
transformações. A Terceira, como dizia noutro dia o meu amigo Carlos
Enes, paga as suas promessas fazendo festas. E também sensibiliza as
novas gerações fazendo festas, como as Sanjoaninas deste ano comprovam”,
salienta.Segundo Joel Neto, faz sentido
celebrar a Revolução de Abril numa cidade que por tradição sempre foi
mais “aberta ao mundo e à diferença”.“No
fundo, as Sanjoaninas estão a fazer o que sempre fizeram e sempre fazem,
que é celebrar aquilo em que a cidade é especial. Angra é uma cidade
compassiva, integradora, curiosa, hospitaleira e sempre o foi mais do
que qualquer outra cidade açoriana e, inclusive, do que a maior parte
das outras cidades portuguesas, pelo menos da província”, explica.Na
noite de domingo, o escritor, que nasceu no ano da revolução, vai
comemorar o 25 de Abril a desfilar numa marcha popular, uma tradição que
quer manter nas Sanjoaninas.“É o terceiro
ano em que nós saímos e agora esperamos sair sempre, a não ser no ano
em que não nos queiram. E mesmo assim havemos de nos oferecer às marchas
todas até que alguma nos aceite”, brinca.