Ana Maria Costa, proprietária da Pastelaria O Forno, há 37 anos
#Empresária
12 de nov. de 2024, 12:25
— Made In Açores
“Frequentei o Liceu Nacional de Angra
do Heroísmo, ainda no Convento de São Francisco, onde completei o
antigo sétimo ano da secção de ciências. Gostaria de ter tirado
um curso superior relacionado com artes. Com as habilitações que
tinha, dediquei-me a dar explicações de matemática a alunos do
liceu, até casar. Após o casamento fui viver para o campo de
instrução militar de Santa Margarida, porque o marido era militar
miliciano. Vivi em Lisboa e São Miguel. Já com dois filhos fui para
Angola, onde passei o 25 de Abril, a chorar, agarrada ao rádio.
Finalmente liberdade! Quando regressei de Luanda, muito nova e com a
cabeça cheia de projetos, abri uma boutique de pronto a vestir – a
primeira em Angra. Chamava-se Triques, e dispunha de confeção
nacional e estrangeira, o que na altura era uma raridade”, disse a
empresária.Ana Maria, como é conhecida em Angra,
garante que faz muitas pesquisas sobre doçaria, tentando estabelecer
a relação entre a doçaria regional e outros de diversas regiões.
Em que contexto sociocultural surge a
pastelaria O Forno?Após o sismo de 1980, surgiram em
Angra, espaços novos, para quem ambicionava um negócio diferente.
Que tal abrir uma boutique de pão quente que era moda na altura? Foi
assim que nasceu “O Forno”, produzindo diversas qualidades de
pão, bolos de brioche e folhados. Vieram um padeiro e um pasteleiro
de Lisboa, para dar início ao projeto e dar formação ao nosso
pessoal.
Como foi sobrevivendo a pastelaria ao
longo destas décadas?
O Forno abriu as portas ao público em
junho de 1987, e foi um grande sucesso. Era uma nova forma de
apresentar os produtos próprios de uma pastelaria, que, tal como
hoje, tinha produção própria à vista do cliente. Mantendo a traça
inicial, houve necessariamente algumas alterações para dar resposta
aos programas HACCP, Medicina no Trabalho, Segurança e Higiene no
Trabalho, imprescindíveis a qualidade e segurança alimentar.
Quais os momentos mais difíceis para a
empresa?
O momento mais difícil, foi quando me
divorciei e fiquei com a “criança nos braços” com grande ajuda
do meu filho e com conhecimentos adquiridos ao longo da minha
juventude, servi-me deles para dar asas ao Forno. O meu pai tinha uma
pastelaria – A LUSA ainda hoje recordada pelo requinte no
atendimento e pela doçaria de alta qualidade.
Qual o segredo da longevidade de “O
Forno”?
O segredo é manter a qualidade dos
produtos, nunca alterando as receitas originais. Nunca substituir a
manteiga por margarina, ou por um ovo a menos… Embora não tenha sido fácil saber o
peso exato de 10 reis de canela, uma mãozinha de rolão ou um escudo
de fermento, foi fazendo experiências após experiências que se
chegou à forma, ao paladar e ao odor que eu tinha na lembrança!
São orgulhosamente detentores da
bandeira de uma confeção à vista do cliente. Isso dificulta o
recrutamento de recursos humanos/ mão de obra? Ou é não é um
entrave?
O facto de termos confeção à vista,
não é obstáculo para admissão de pessoal. Acho que os
pretendentes têm um certo orgulho em poder pertencer à nossa
pastelaria, pelo nome que detém, e poderem fazer parte de uma equipa
com formação profissional, e sabendo de antemão o público que os
espera. Tenho muita sorte com os meus colaboradores, pois sem eles,
não se chegaria ao nível de qualidade que nos orgulha.
Quais os tipos de produtos que
confeciona?
Além dos produtos já mencionados
aquando da abertura de O Forno fazemos gala em apresentar uma vasta
gama de doçaria regional requintada e bolos festivos decorados com
ar de revista. Também produzimos artesanalmente bolachas sem
conservantes, assim como empadas, pasteis e outros salgados.
Quais os doces regionais que
confeciona?
Fabricamos os famosos bolos Dona Amélia,
que são já um ex-libris da doçaria terceirense, seguindo a receita
original manuscrita e guardada em segredo de geração em geração.
Embora existam com este nome desde 1901, aquando da visita régia de
D. Carlos e D. Amélia, a esta ilha, posso orgulhar-me de ter dado a
estes bolos o patamar que merecem. Tem denominação de origem
artesanal dos Açores atribuído pelo CRAA agora CADA.
Produzimos também os “esquecidos”
pudins Conde da Praia, obtendo a receita original através de um
descendente. Tanto um como o outro têm peso na história. Além
destes doces, surgem as Caretas, especialidade da minha querida mãe
como os preferidos pelos turistas. Todos eles têm embalagem própria,
elegante e com o historial do bolo. Os referido três doces detêm o selo Marca Açores – Certificado pela Natureza, o que de certo
modo, ajuda a sua comercialização.
Há outros doces, que segundo reza a
história, são terceirenses de gema – os ladrilhos espanhóis, os
feiticeiros, os africanos, os camafeus, os rochedos, os covilhetes
escuros, e doces conventuais – torresmos do céu, pingos de tocha,
papos de anjo, cornucópias de ovos (diferentes das de Alcobaça),
rebuçados de ovos (diferentes dos de Portalegre), hóstias de
amêndoa, toucinho do céu. Também produzimos por encomenda pudins
de coco, de amêndoa, de feijão, de rolão e doces de colher.
Qual a opinião dos visitantes em
relação ao bolo D. Amélia e que outros doces da ilha Terceira têm
aceitação por parte dos turistas?
Em relação à opinião dos nossos
visitantes, sobre os doces D. Amélia, primeiro estranham e depois
adoram o requintado paladar e o cheiro exótico tão diferente da
doçaria conventual. Foram criados nas casas burguesas da nossa
cidade assim como outra doçaria que é apreciada por quem nos
visita.
A nossa doçaria é muito urbana. A
nível rural só aparecia os fritos pelo Carnaval, o arroz-doce, as
papas grossas, a massa sovada e o alfenim durante festividades
populares.
Número de vendas que nos possa
adiantar e quais os produtos mias vendidos?
As vendas são sazonais e relacionadas
com as festividades do calendário. Tentamos esforçar-nos e acho que
conseguimos, apresentar aos clientes produtos originais nas
diferentes épocas.
Mas os bolos D. Amélia vendem-se todo
o ano, na nossa pastelaria, nas lojas de gourmet de produtos
açorianos dentro e fora dos Açores, e também em restaurantes,
servidos à fatia, na versão tamanho grande.
Que sonhos ainda tem para esta empresa,
que apesar de familiar é um verdadeiro exemplo de resiliência e
sobrevivência?
Atualmente, tenho sociedade com o meu
filho e tenho um neto que é uma grande ajuda no que respeita à
contabilidade e gestão. Há muito a fazer por detrás de um balcão
recheado de fina doçaria! Haverá certamente novas ideias dos
mais jovens, mas gostaria que continuassem com a nossa tradição
doceira. “A doçaria é uma arte que devemos preservar!”