Alzira e Conceição Neves, uma vida dedicada ao artesanato
Responsáveis pela Escola Regional de Artesanato de Santo Amaro do Pico
11 de dez. de 2017, 21:15
— Célia Machado
Há
alguns anos eram conhecidas pelas partidas que faziam, trocando de
identidade, apresentando-se como apenas uma pessoa que, num abrir e
fechar de olhos, mudava de roupa e de localização mas o artesanato
foi sempre levado a sério.
As
artesãs e a própria escola receberam distinções locais e
regionais, viveram tempos muito bons e souberam fintar as
adversidades porque "nunca faltou vontade de trabalhar",
frisam. Alzira e Conceição têm dedicado a sua vida ao artesanato,
sem horários, sem dias de descanso, mas com muito empenho e talento.
Falam com orgulho no trajeto feito mas urge garantir a continuidade
da escola, pois esta "não pode fechar", afirmam
preocupadas.
Quando
fundaram a ERASA, há 31 anos, não eram apenas duas donas de casa
com vontade de fazer algo diferente; havia já um grande trabalho
efetuado no ensino de diversas artes, em parte devido aos dotes que
carregam nos seus genes. Numa conversa informal para recordarem o
caminho trilhado até à atualidade, é Alzira quem começa por falar
sobre os primeiros ensinamentos. "Tinhamos uns quatro anos e
fizemos logo uma longa trança de palhinha de trigo... Nem podíamos
com ela. Foi suficiente para a nossa mãe coser uma esteira para
cobrir o chão de toda a sala". Estavam dados os primeiros
passos. Com o tempo, foram aprendendo outras artes em família.
Alzira Neves, aos 13 anos, aproveitando que a irmã mais velha estava
no Faial, foi também para aquela ilha para receber formação em
"corte e costura". Os ensinamentos eram pagos e o material
que necessitava era caro mas Alzira conseguiu o que pretendia. "Eu
era franzina. A professora até ficou admirada quando soube que era
eu quem ia ter aulas com ela mas das 20 aulas necessárias para
concluir a formação, necessitei apenas de dez. Foi quando ela me
disse que já não tinha mais nada para me ensinar", recorda.
Regressou então ao Pico para partilhar gratuitamente, com outras
jovens santamarenses, o que acabara de aprender. A ela juntou-se a
irmã gémea Conceição, mas na área dos bordados. Durante vários
anos foram alargando o seu leque de educandas, que passou a contar
também com mulheres das vizinhas freguesias da Prainha, Ribeirinha e
Piedade.
O
local das formações foi variando e as responsabilidades também. "A
determinada altura tivémos de tirar o nono ano de escolaridade para
podermos continuar a dar os nossos cursos e termos, então, o apoio
do Governo Regional", afirmam orgulhosas. Eram as responsáveis
pelos cursos de "Educação Permanente", tão apreciados
pelas mulheres, que ficavam assim a saber um pouco de tudo. "Até
peças de teatro organizámos", sublinha Conceição.
Nascimento
da ERASA
Dedicadas
ao artesanato, chegaram a ter 30 mulheres a trabalhar em diversas
artes (lã, costura, ráfia, palhinha de trigo, escamas de peixe) e a
venderem o que produziam. Aqui, já Alzira e Conceição Neves
participavam em feiras e outras iniciativas para promoção e venda
dos produtos artesanais. "Estávamos em São Miguel, num desses
evento, quando a dona Marieta Medeiros, grande impulsionadora do
artesanato nos Açores, e Tomaz Duarte Júnior, então secretário
regional dos Transportes e Turismo, incentivaram-nos a criar uma
cooperativa pois sabiam o trabalho que estávamos a desenvolver",
diz Alzira Neves, ao que a irmã acrescenta: "mas eu nunca
gostei de cooperativas e, por isso, pensámos que o melhor seria
abrir uma escola". E assim foi. O Governo Regional adquiriu uma
casa e financiou também as obras necessárias para que ali nascesse
a Escola Regional de Artesanato de Santo Amaro. A este edifício, com
receção, museu e oficina, junta-se um segundo, pertencente a
Alzira, destinado a salas de trabalho. Estava dado o pontapé de
saída para o que seriam os anos áureos do artesanato na mais
pequena freguesia do Pico.
Declínio
e ascensão
Tiveram
33 pessoas na escola, na sua maioria mulheres, que aprenderam desde a
trança em palhinha à feitura de bonecas em casca de milho. Havia um
grupo folclórico, davam-se aulas de chamarrita, ensinava-se música
e as formações de artesanato sucediam-se.
"Até
2001 a ERASA recebia verbas do Fundo Social Europeu (FSE) para
financiamento dos cursos que aqui eram ministrados. Nesse ano, o
apoio chegou ao fim. Aliás, já o último curso teve de ser
suportado pela ERASA porque, embora inicialmente tivesse ficado certo
que seríamos apoiados pelo FSE, no final recusaram-se a cumprir o
acordado e nós tivemos de recorrer à banca. Fomos ao fundo",
explica Conceição.
Seguiram-se
anos difíceis em que deixaram de dar formações e de ter
funcionários. Ficaram apenas as gémeas e ponderaram fechar a porta.
Há
poucos anos, com o apoio do Centro Regional de Apoio ao Artesanato,
orientado por Sofia de Medeiros, a ERASA pôde voltar a respirar com
mais algum alívio. A escola recebeu uma residência criativa,
realizaram-se algumas formações, dentro e fora do Pico, e as gémeas
apresentaram a sua bijuteria em pedra da ilha e palhinha de trigo,
tingida e natural. Ainda assim, os turistas continuam a preferir os
brincos em escamas de peixe.
Santo
Amaro, como outras freguesias dos concelhos de São Roque e Lajes,
continua de fora do circuito principal dos operadores turísticos
mas, como há cada vez mais turistas a optarem por explorar a ilha ao
volante de uma viatura alugada, a escola tem ganho visitantes. "Agora
somos também um ateliê aberto aos turistas. Chegam cá, veem um
trabalho, querem aprender como se faz e nós ensinamos logo",
sublinham.
Salientam
que "o voluntariado das gémeas está a terminar" mas
sentem-se realizadas pela atividade que escolheram.
Alzira
e Conceição Neves lá continuam na Rua Barão Manuel Nunes Melo, na
freguesia de Santo Amaro, com as portas da escola abertas a quem
queira visitar aquele espaço. Será Alzira ou será Conceição?
Também elas têm dúvidas já que, nos primeiros anos de vida,
muitas vezes a família trocou os seus nomes.