Agustina, a escritora da "confissão espontânea" que se dizia mais conhecida do que lida
3 de jun. de 2019, 11:57
— Lusa/AO Online
“Poucos são os
que me leem, mas muitíssimo mais os que me conhecem”, disse a escritora,
que contou em seguida um episódio passado no Porto, em que uma senhora
na rua de Cedofeita a interpelou e lhe disse: “Sabe gosto muito de si,
até estou a pensar um dia destes comprar um livro seu”.A escritora nasceu em 15 de outubro de 1922, em Vila Meã, Amarante. Afastada
da vida pública, por razões de saúde, há cerca de duas décadas, viu
reeditadas muitas das suas obras, com prefácios escritos pelos seus
pares, a partir de 2016, na editora Relógio d’Água, tendo-se posto fim a
uma relação da autora com a Guimarães Editores, que datava de 1954.Nesta
nova editora voltaram a ser publicados os títulos "Vale Abraão", com
prefácio de António Lobo Antunes, "Fanny Owen", prefaciado por Hélia
Correia, "O Mosteiro", com prefácio de Bruno Vieira Amaral, "A Ronda da
Noite" (prefácio de António Mega Ferreira), "O Manto" (prefácio de João
Miguel Fernandes Jorge), "Os Meninos de Ouro" (prefácio de Pedro Mexia),
o livro infantojuvenil "Dentes de Rato", e o inédito "Deuses de Barro",
prefaciado pela filha, a escritora Mónica Baldaque. Outros
inéditos seus conheceram também a luz do dia, através da Fundação
Calouste Gulbenkian que, em 2014, publicou "Elogio do Inacabado", título
que inclui os esboços de romances iniciado na década de 1960,
designadamente "Homens e Mulheres", "As Grandes Mudanças",
"Coração-de-Água", "O Caçador Nemrod" e "Os Meninos Flutuantes".Em
fevereiro do ano passado, a Fundação publicou “Ensaios e Artigos
(1951-2007)”, em três volumes, reunindo mais de mil artigos publicados
na imprensa.Na comunicação social Agustina
Bessa-Luís, de 1978 a 1979, fez crónicas matinais na RDP/Antena 1, que
foram reunidas no volume "Crónica da Manhã" (2015), e colaborou também
na RTP, nomeadamente no programa, por si idealizado, "Ela por Ela"
(2005), em que conversava com a jornalista Maria João Seixas.A
escritora, de seu nome completo Maria Agustina Ferreira Teixeira
Bessa-Luís, estreou-se literariamente em 1948, com a novela “Mundo
Fechado”.Em 1951, venceu os Jogos Florais
do Minho com o conto “Civilidade”, ao qual concorreu usando como
pseudónimo o nome do seu marido, o advogado Alberto Oliveira Luís.Em
1997, quando publicou “Um Cão que Sonha”, numa conversa com público, em
Oeiras, realçou a importância que tinha na sua escrita o marido. “Por
tudo, do apoio à compreensão, ao incentivo e ao amor incondicional”,
afirmou.Alberto Oliveira Luís, que foi o responsável pela fixação do texto da escritora, morreu em novembro de 2017, aos 94 anos.O
conto “Civilidade” veio a ser publicado em 2012 pelo grupo Babel, que,
desde 2010, integra a Guimarães Editores, tendo nesta data sido também
publicado outro título inédito, “Kafkiana”, que reúne quatro textos com
reflexões de natureza literária sobre a situação do homem kafkiano face
ao mundo e a ele próprio.“Quem, como eu,
por razões de estudo, se interessou vivamente por um autor (trata-se de
Franz Kafka, em que não pretendo doutorar-me, mas de que tirei a
licenciatura) durante muito tempo, não pude evitar a sua sombra. Pelo
que os meus artigos muitas vezes rodeiam os seus pensamentos, confiam
nas suas palavras com esse abandono carinhoso que dedicamos a quem nos
deu o pão do ensino”, escreveu Agustina.Neste
conto, a escritora retorna a um tempo e a um cenário de infância, de
quando passava férias na Quinta de Cavaleiros, perto da Póvoa de Varzim.
Imaginário que retomaria em textos infantis, e no romance “Antes do
Degelo” (2004).O nome de Agustina
Bessa-Luís saltou para a ribalta literária em 1954 com a publicação do
romance “A Sibila”, que lhe valeu os prémios Delfim Guimarães e Eça de
Queiroz, que constam de uma lista de galardões que inclui o Grande
Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, em
1983, pela obra "Os Meninos de Ouro", e que voltou a receber em 2001,
com "O Princípio da Incerteza I - Joia de Família".A
escritora, que fixou residência no Porto, em 1950, recebeu o Prémio
Ricardo Malheiros, em 1966 e em 1977, respetivamente, com “Canção Diante
de Uma Porta Fechada” e “As Fúrias”.Em
1967, a sua obra “Homens e Mulheres” valeu-lhe o Prémio Nacional de
Novelística e, em 1980, o romance “O Mosteiro”, o Prémio D. Diniz/Casa
de Mateus e o P.E.N. Clube de Ficção. Em
1988, recebeu o Prémio RDP/Antena 1 por “Prazer e Glória” e, em 1993, o
Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de
Críticos Literários por “Ordens Menores”, em 1997, recebeu o Prémio
União Latina pelo romance "Um Cão que Sonha".A
escritora foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prémio
Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, o Globo
de Ouro SIC/Caras Mérito e Excelência, em 2002, e o Prémio Eduardo
Lourenço, em 2015.Sobre Agustina, o
ensaísta Eduardo Lourenço afirmou que é "incomparável" e é a "grande
senhora das letras portuguesas", em declarações à Lusa, no final da
cerimónia da entrega do Prémio Eduardo Lourenço à autora, há pouco mais
de três anos.Agustina recebeu ainda os
Prémios Camões e Vergílio Ferreira, ambos em 2004, e o Prémio de
Literatura do Festival Grinzane Cinema, em 2005.Eduardo
Prado Coelho, que foi um dos jurados do Prémio Camões, definiu-a como
"uma extraordinária cronista com sentido de humor e uma visão original
e, por vezes, desconcertante da literatura".O escritor Vasco Graça Moura (1942-2014), que fez parte do mesmo júri, considerou-a "uma escritora universal". A
escritora publicou ficção, ensaios, teatro, crónicas, memórias,
biografias e livros para crianças, e está traduzida em várias línguas
europeias, do castelhano ao grego, e "A Sibila", que já vai na 31.ª
edição, é hoje considerado um dos clássicos da literatura portuguesa do
século XX. Antes do seu nome saltar para
os escaparates das livrarias, Agustina Bessa-Luís publicou “Os Super
Homens” (1950) e “Contos Impopulares” (1951).A
sua bibliografia inclui títulos como "Os Incuráveis", “A Muralha”,
"Ternos Guerreiros", "O Sermão do Fogo", "A Dança das Espadas", "As
Pessoas Felizes", "Santo António", "O Concerto dos Flamengos", "Ternos
Guerreiros", "A Dança das Espadas", "As Pessoas Felizes", "Crónica do
Cruzado Osb", "A Brusca", "Aquário e sagitário", "Doidos e Amantes", e
os três volumes de "O Princípio da Incerteza", entre outros.O último romance que publicou, "A Ronda da Noite", saiu em setembro de 2006.Várias
obras suas foram adaptadas ao cinema pelo realizador Manoel de
Oliveira, “Fanny Owen” (1981, adaptado para “Francisca”), “Vale Abraão”
(1993), “As Terras do Risco” (1995, adaptado para “O Convento”) e “O
Princípio da Incerteza” (2002).Escreveu
ainda os diálogos de “Party” (1996), a partir da sua peça de teatro
“Party: Garden-Party dos Açores”, e o seu conto “A Mãe de Um Rio”, faz
parte da película “Inquietude” (1998). Também o realizador João Botelho
adaptou, em 2009, “A Corte do Norte”.Entre
as peças, é autora d'“A Bela Portuguesa”, levada à cena na Casa da
Comédia, em Lisboa, em 1987, numa encenação de Filipe la Féria, que
adaptou ao teatro o seu romance “As Fúrias”, em 1995. “A
Bela Portuguesa” foi representada novamente, em 2005, na X Mostra
Internacional de Teatro Universitário, em Lisboa, numa encenação de
Jorge Almeida. A autora escreveu para teatro "Garrett: o Eremita do
Chiado", "Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard" e
"Inseparável ou o Amigo por Testamento".Embora
sempre ligada à produção literária - até cerca de 2006 publicava uma
média de um livro por ano -, Agustina Bessa-Luís foi diretora do jornal O
Primeiro de Janeiro, de 1986 a 1987, mais tarde, membro da Alta
Autoridade para a Comunicação Social, e diretora do Teatro Nacional D.
Maria II, de 1990 a 1993.Em 1985, foi
mandatária da candidatura presidencial de Diogo Freiras do Amaral e, em
finais de 2006, apoiou o "sim" no referendo sobre a despenalização do
aborto.A autora era membro da Academia de
Ciências de Lisboa, na Classe das Letras, da Academie Européenne des
Sciences, des Arts et des Lettres, de Paris, e da Academia Brasileira de
Letras.Foi membro do Conselho Diretivo da Comunitá Europea degli Scrittori (1961-1962).No
ano passado, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)
concluiu um ano de homenagem a Agustina Bessa-Luís, com a atribuição do
doutoramento Honoris Causa à escritora, em Vila Real, a primeira mulher a
ser distinguida com este título honorífico pela UTAD.No
início deste ano, foi publicada a biografia "O Poço e a Estrada -
Biografia de Agustina Bessa-Luís", da autoria Isabel Rio Novo. Em
2013, em declarações à Lusa, a filha da escritora, Mónica Baldaque,
afirmou que estava a ser organizado o arquivo de Agustina Bessa-Luís,
referindo que havia "centenas de papelinhos escritos por si, notas que
registava em faturas, em agendas, aforismos, pensamentos que, de alguma
forma, iria utilizar na obra".Agustina
Bessa-Luís foi condecorada como Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da
Espada, de Portugal, em 1981, elevada a Grã-Cruz em 2006, e o grau de
Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, de França, em 1989, tendo
recebido a Medalha de Honra da Cidade do Porto em 1988. Questionada
sobre o que escrevia, a autora disse, num encontro na Póvoa do Varzim:
“É uma confissão espontânea que coloco no papel”.