Afonso Reis Cabral vence o Prémio José Saramago com o romance “Pão de Açúcar”
8 de out. de 2019, 11:33
— Lusa/AO Online
O prémio,
promovido pela Fundação Círculo de Leitores, é atribuído bienalmente,
desde 1999, distinguindo uma obra literária no domínio da ficção, em
língua portuguesa, por um escritor com idade não superior a 35 anos.“Pão
de Açúcar” foi editado no ano passado, e aborda um caso verídico que
aconteceu no Porto, o assassinato da transexual Gisberta, em 2006,
depois de sucessivos atos de violência e na sequência de um ataque,
perpetrado por jovens entre os 12 e os 16 anos, à guarda da instituição
católica Oficina de São José.O júri do
Prémio José Saramago foi presidido pela editora Guilhermina Gomes e dele
fizeram também parte a poetisa angolana Ana Paula Tavares, o autor
português António Mega Ferreira, a escritora brasileira Nélida Piñon e a
presidente da Fundação Saramago, Pilar del Rio.Na
opinião de Ana Paula Tavares, o romance de Afonso Reis Cabral, “lido
com o espesso e confuso mundo da memória [e narrado na primeira pessoa]
retira do esquecimento acontecimentos que os jornais e os relatórios da
Polícia tinham tratado de forma redutora e parcial, com silêncios e
omissões que o autor se propõe aqui revelar”. Afonso
Reis Cabral, prossegue a poetisa angolana, “apresenta um trabalho de
linguagem (com a linguagem) que alerta o leitor para o que muda e
permanece na escrita do romance e na narrativa dos universos
recuperados". “O autor - realça - mergulha
na opacidade dos diferentes mundos da cidade velados pelo silêncio e
pelo estranhamento, e trabalha novos conceitos de vida, da morte e do
amor, tal como as leis da violência os alargam e tornam percetíveis”.Mega
Ferreira, por seu turno, afirma que Afonso Reis Cabral “constrói uma
narrativa tensa, sob cuja linha narrativa crepita a violência dos
excluídos e a raiva dos deserdados. Revelando maturidade narrativa e
estilística notáveis, fazendo da contenção a arma da progressão do
relato, Reis Cabral adota o ponto de vista dos miúdos administrando a
construção de um sentimento grupal de medo e ódio (as fronteiras entre
um e outro são ténues) que descarrega no seu elo mais fraco a raiva de
uma frustração longamente contida”. António
Mega Ferreira aponta que “a originalidade da narrativa reside
precisamente neste ponto de vista, que faz de ‘Pão de Açúcar’ uma
espécie de romance de (de)formação, um texto que relata a formação de um
grupo que se reúne num assassinato, na passagem da infância para a
adolescência”.“A ambivalência de
sentimentos de todos e cada um em relação a Gisberta mostra que não há
trajetos lineares para o crime, nem fatalidades sociológicas, num caso
que é mais complexo ficcionalmente do que o relato jornalístico
habitualmente revela”, prossegue Mega Ferreira."Romance
compassivo, mas nunca sentimental, ‘Pão de Açúcar’ é de uma parcimónia
exemplar no que respeita à linguagem pela imagística, sobretudo face à
dramaticidade comovente dos envolvimentos humanos da sua estória",
salienta Manuel Frias Martins, sublinhando tratar-se de "um grande
romance de um jovem autor de quem a literatura portuguesa se deve desde
já orgulhar-se".Afonso Reis Cabral venceu,
em 2014, o Prémio LeYa, com o romance “O Meu Irmão”. Em 2017, foi-lhe
atribuído o Prémio Europa David Mourão-Ferreira, na categoria de
Promessa, e, em 2018, o Prémio Novos, na categoria de Literatura.“Pão de Açúcar”, publicado no final do ano passado, é o seu segundo romance. O
seu mais recente livro, “Leva-me contigo”, é o relato da sua caminhada
de Vila Real a Faro, cumprida entre abril e maio deste ano, num total de
738,5 quilómetros, ao longo da Estrada Nacional número 02.