Adultos vulneráveis devem ter comissões de proteção como as crianças e jovens
1 de out. de 2020, 08:23
— Lusa/AO Online
A proposta é uma das 30 recomendações que
resultam do relatório “Portugal Mais Velho”, da autoria da Associação
Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em colaboração com a Fundação
Calouste Gulbenkian, que procura identificar “lacunas das políticas
públicas e da legislação em relação ao envelhecimento da população e à
violência contra pessoas idosas, apresentar boas práticas e ainda listar
recomendações para melhorar esta situação”.“A
estrutura cuja criação defendemos deveria operar em dois planos: no
plano local, existindo células espalhadas pelo país que lidam com os
casos concretos das pessoas adultas em situação de vulnerabilidade, e no
plano nacional, criando-se uma entidade que tem por missão
supervisionar e orientar as células locais”, lê-se no relatório que é
apresentado hoje.Os visados na proteção
destas novas comissões são os maiores acompanhados, pessoas que possam
vir a ter medidas de acompanhamento e pessoas em situação de
vulnerabilidade, sendo que entre estas últimas cabem pessoas com doença
mental ou deficiência, em situação de isolamento, de carência económica
ou vítimas de crime.A proposta replica a
das comissões de proteção de crianças e jovens e da Comissão Nacional de
Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, que monitoriza
as comissões locais e propõe um modelo de atuação de “intervenção
mínima”, no qual as comissões atuam “na estrita medida do necessário,
não estando autorizadas a interferir na vida pessoal dos/as utentes para
além da vulnerabilidade que justifica a intervenção em primeiro lugar”,
ressalvando-se ainda que a atuação da comissão fica sempre dependente
da autorização do visado.As comissões
devem ser compostas por representantes do Ministério Público, Saúde,
autarquia local, Segurança Social, forças de segurança, e também
sociedade civil, instituições ou comunidade, sendo que a participação
destas estruturas comunitárias ficam excluída de um assento permanente
no órgão, por questões de proteção de intimidade e privacidade, cujo
risco de violação aumenta em meios pequenos, em que todas as pessoas se
conhecem.Deve ainda ser adotado um código
de conduta a seguir pelos membros das comissões, com o objetivo de
proteger a privacidade dos adultos em situação de vulnerabilidade e
também de assegurar o dever de sigilo.Entre
as 30 recomendações encontram-se várias que manifestam preocupação com a
necessidade de aumentar a proteção das pessoas idosas a situações de
violência e discriminação, pedindo-se que se atualize de forma contínua
os dados sobre os diferentes tipos de violência contra idosos em
Portugal, principalmente sobre violência sexual ou exercida por
cuidadores profissionais, realidades menos conhecidas em Portugal.A APAV propõe ainda “melhorar os procedimentos de fiscalização das instituições que acolhem ou prestam apoio a pessoas idosas”.“Esta
fiscalização deverá ir muito além dos aspetos burocráticos (como a
altura a que se encontram os extintores, por exemplo), procurando apurar
se as pessoas idosas institucionalizadas são tratadas com dignidade ou
se estão a ser vítimas de violência ou em risco de ser vítimas, seja
esta perpetrada pelo ‘staff’ ou imposta pelas condições e regras da
instituição”, sintetiza-se no documento que reúne as recomendações,
sendo que o relatório é bastante exaustivo na definição de conceitos,
terminologias e tipos de violência que podem ser exercidos sobre pessoas
idosas.A APAV propõe ainda uma alteração
legislativa muito específica no que diz respeito à violência doméstica
sobre idosos, sugerindo que o conceito de coabitação consagrado na lei
seja revisto de forma a abranger mais situações.“Uma
vez que em muitos casos de violência contra pessoas idosas o/a
agressor/a não vive com a vítima (por exemplo, filho/a que tem a sua
própria casa), alguns comportamentos violentos não são qualificados como
violência doméstica à luz do critério da coabitação. Para acautelar
estas situações bastante frequentes, deverá passar a considerar-se que
há coabitação quando o/a agressor/a visita a habitação da vítima de
forma tão frequente e por tais períodos de tempo que seja razoável
considerá-lo como membro daquela, mesmo que aí não resida”, defende-se.Propõe-se
ainda uma estratégia nacional para a formação de cuidadores informais
ou familiares, que deve incluir conteúdos sobre crime e violência e seus
fatores de risco, sendo também necessário dar formação a dirigentes e
proprietários de lares residenciais e centros de dia na área da
gerontologia, garantindo a melhoria dos cuidados prestados.A
APAV defende ainda o reconhecimento da carreira profissional na área da
gerontologia, como “forma de dignificação da profissão” de assistente
operacional, permitindo ganhos de reconhecimento social e de
remuneração.Entre as recomendações está
ainda a de “criar mecanismos de supervisão e de apoio dos/as
cuidadores/as formais ou profissionais e informais ou familiares”. “A
falta de acompanhamento da prestação de cuidados pode dar azo a
omissões no cumprimento dos deveres ou até situações de violência, sendo
fulcral atuar numa lógica preventiva, dando àqueles que prestam
cuidados a pessoas idosas a oportunidade de avaliar criticamente os seus
conhecimentos, valores, competências e práticas e receber
aconselhamento”, lê-se no documento.O
relatório é apresentado hoje, Dia Internacional da Pessoa Idosa, numa
sessão virtual que conta com a intervenção de João Lázaro, presidente da
APAV, Luís Jerónimo, diretor do Programa Gulbenkian Desenvolvimento
Sustentável, e Óscar Ribeiro, investigador principal no Centro de
Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) da
Universidade do Porto.