Açoriano ruma à ‘Sala do Trono dos Reis da Montanha’
6 de jul. de 2018, 19:01
— Nuno Martins Neves
“Chegar lá já é uma aventura”.
“Lá” é o Campo Base do K2, a segunda montanha mais alta do
mundo, localizada nos Himalaias, na fronteira entre a China e o
Paquistão. A “aventura” é de Durval Faria, o micaelense de 50
anos que é bancário de profissão e que este fim de semana pegou na
mochila e, juntamente com três amigos, se propõe a chegar aos 5150
metros de altitude.
Uma aventura que está já em marcha -
na altura desta publicação, o quarteto formado pelos continentais
Rodrigo Nascimento, José Alberto Moura e João Moura já está em
Skardu, cidade paquistanesa que serve de ponto de entrada à
cordilheira Karakoram - mas que começou há oito meses a ser
preparada. Quer dizer, em abono da verdade, começou bem antes.
“O K2 sempre foi uma montanha do meu
imaginário, uma montanha intrigante”, explicou ao Açoriano
Oriental dias antes de partir para Lisboa. Dos documentários feitos
por Sir David Attenborough para a BBC - de quem se confessa fã pela
“paixão e emoção com que descreve este local do planeta” -
Durval Faria prepara-se para cumprir com uma tarefa hercúlea. “Este
‘trekking’ está referenciado como um dos mais extenuantes do
planeta, especialmente pela necessidade de autonomia completa e pelas
grandes amplitudes térmicas durante o trajeto e a permanência”.
Burocracia resolvida, que envolveu
falar com a embaixada do Paquistão em Lisboa para obter o visto de
entrada, a aventura implicou outros preparativos. Apesar de não
atingirem o cume do K2 que, do alto dos seus 8611 metros, só é
permitido aos mais destemidos e experientes alpinistas, o quarteto
irá estar numa zona onde o oxigénio rondará os 50 por cento. A
“Sala do Trono dos Reis da Montanha”, como é conhecido pela
imponência da cordilheira de montanhas que aí podem ser observadas,
exigiu uma preparação física - “não tanto quanto desejava” -
e mental. As longas caminhadas até 30/ 40 km por dia com carga
custaram mas fizeram-se. Mais custoso será adaptar a mente ao que
lhe espera. “A partir de um determinado momento, o corpo irá pedir
para descer, a mente irá contrariar este sentimento e puxar o corpo
para cima. É uma superação constante. Costumo dizer que querer ir
já é meio caminho, mas aqueles dois, três dias iniciais, e até à
primeira etapa de aclimatação, serão terríveis (sorriso)”.
O ‘Mal de Altitude’, isto é, os
efeitos da altitude no corpo humano (exposição aguda à baixa
pressão parcial de oxigénio) e a amplitude térmica - “as
temperaturas podem oscilar entre os 30 e muitos graus e os 10 graus
negativos ou menos” - são os maiores desafios que vão encontrar.
Mas não só: o transporte de água e alimento será feito pelo
quarteto e a comunicação através do telefone satélite ficará
dependente das condições climatéricas e da orografia das
montanhas. “Em montanha nada é previsível. As condições
meteorológicas mudam muito rapidamente, termos de estar preparados e
em autonomia para qualquer eventualidade”, alerta.
Mas tudo valerá a pena: na mochila,
Durval Faria leva a bandeira açoriana que pretende hastear a 12 ou
13 de julho no Campo Base do K2. “Estou em crer, não consigo
confirmar, julgo ser a primeira vez que a bandeira dos Açores
percorrerá aquele local do planeta. Será um orgulho”.
“Montanha Selvagem” só perde para
o vizinho Everest
Também conhecido como monte
Godwin-Austen, Chogori, Dapsang ou Qogir Feng, o K2 é a segunda
montanha mais alta do mundo. Com 8614 metros de altitude, só perde
para o “vizinho” monte Evereste (8848 metros acima do nível do
mar).
Denominado como “Montanha Selvagem”
pelas dificuldades que impõe a quem o tenta escalar, foi explorada
pela primeira vez por um europeu em 1856. É a segunda montanha com
maior taxa de mortalidade entre os alpinistas (atrás do maciço de
Annapurna, também nos Himalaias) e, também por isso, nunca foi
escalada no inverno.
Até ao momento, só um português
conseguiu concluir a ascensão do K2: João Garcia, a 20 de julho de
2007, sem recurso a oxigénio artificial.