Açores passaram de ilhas de degredo a paraíso turístico

25 abril

7 de abr. de 2014, 07:57 — Lusa/AO Online

Foi nos Açores - onde estava, "tudo leva a crer", desterrado - que Ernesto Melo Antunes (1933-1999) nasceu como doutrinador do Movimento das Forças Armadas (MFA) do 25 de Abril, com a elaboração da "Declaração de Ponta Delgada", em 1969, disse a sua biógrafa, a historiadora Maria Inácia Rezola. Já antes dos anos 60, o arquipélago era terra de desterro para oposicionistas à ditadura, mas naquela época houve "uma coincidência entre essa realidade e as escalas que se faziam nos Açores com as tropas que iam para a guerra colonial". Essa circunstância fez estacionar em S. Miguel jovens milicianos antissalazaristas, como Manuel Alegre, que se cruzavam com os oposicionistas locais e outros desterrados, como Melo Antunes, explicou à Lusa a investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. A "Declaração de Ponta Delgada" surgiu no âmbito das eleições legislativas marcelistas de 1969, um momento de "grandes esperanças, que é aquilo que a declaração representa", continuou a autora da biografia de Melo Antunes. Era um programa de candidatura à Assembleia Nacional e foi “um dos primeiros documentos programáticos” de Melo Antunes. “Podemos dizer que o doutrinador, o autor dos grandes programas do movimento dos capitães e depois do Movimento das Forças Armadas nasceu nesse momento”, afirmou Maria Inácia Rezola. Para a historiadora, “o que acontece em torno dessa declaração é um momento excecional, é um feito inédito", porque os seus promotores “começam a levantar algumas das questões de fundo que a partir daí passam a ser bandeira das oposições” e conseguem uma “amplíssima mobilização”. Foi ainda com a "Declaração de Ponta Delgada" que Melo Antunes revelou outro dos traços que marcaram o seu percurso: tentou “fazer a ponte” entre “novas oposições”, ligadas, por exemplo, a meios católicos, e “oposições tradicionais”, como os comunistas. O documento acabou por se tornar num “marco nas oposições portuguesas em geral e não só insulares”. E para Melo Antunes, “ao contrário de ter sido um desterro”, os Açores foram uma “fase particularmente interessante e rica”, porque “começa a ter intervenção política pública” e a “movimentar-se nos círculos oposicionistas”, disse a biógrafa. Quanto às ilhas, deixaram de ser olhadas como terras isoladas nestes 40 anos e procuram hoje ser vistas como um novo paraíso turístico para determinados mercados. O economista e presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, Mário Fortuna, disse que os Açores são hoje “radicalmente diferentes” e que os “índices de desenvolvimento económico se alteraram de forma significativa”. Com o “novo enquadramento político” (a constituição da autonomia), foram canalizadas verbas “significativas” para os Açores, o que permitiu a evolução económica, tendo ainda havido o contributo dos fundos europeus e as transferências ao abrigo do acordo das Lajes, explicou. O economista da Universidade dos Açores salientou que a agricultura de subsistência evoluiu para uma “agropecuária competitiva” e para uma indústria de laticínios forte (o leite representa 30% da produção nacional), acrescentando que a região transformou as pescas num setor de exportação e que o turismo tem tido “incrementos bastante significativos”. Para Mário Fortuna, há “uma perspetiva de crescimento positiva” no turismo e a região deve apostar na “qualidade” e nos nichos ligados ao turismo de natureza. É hoje consensual que as nove ilhas foram equipadas a nível de infraestruturas, que “todos os indicadores sociais e culturais melhoraram espetacularmente” e o Produto Interno Bruto (PIB) ‘per capita’ multiplicou-se por dez, como escreveu o ex-presidente do Governo Regional Mota Amaral, num artigo publicado em março deste ano na imprensa açoriana. Mas há também vozes que recorrentemente alertam para o problema da “coesão”, apontando que as ilhas mais pequenas poderão ficar para trás no desenvolvimento. Como no resto do país, apontam-se também críticas à aplicação dos fundos europeus em muitos investimentos "não reprodutivos". Entre os desafios a vencer, estão também índices de desenvolvimento social que, apesar da melhoria, são, em alguns casos, os piores do país. É o caso do insucesso escolar e do abandono escolar precoce, que o presidente do Governo Regional, Vasco Cordeiro, reconheceu e sublinhou nas intervenções públicas que fez ao longo do primeiro ano do mandato que iniciou em novembro de 2012, ser "um desafio absolutamente vital" e "estratégico", apelando para um "sobressalto cívico" nesta matéria, por considerar que o futuro da região se joga na qualificação dos açorianos.