23 de jun. de 2022, 08:10
— Ana Cristina Gomes, da agência Lusa/AO online
“Nos Açores, o
mar é tudo”, repetem escritores, investigadores e agentes culturais
ligados aos Açores, certos do potencial imenso da localização no meio do
oceano Atlântico e das condicionantes de um arquipélago de nove ilhas,
nem todas com ilha em frente, cada uma sempre dependente do barco ou do
avião-autocarro para sair dela.A
lonjura até pode ser trunfo, e “há uma nova geração a olhar o mar dos
Açores e o exotismo da região como oportunidade”, assegura Luís
Banrezes, fundador da editora discográfica açoriana Marca Pistola e
cofundador do festival Tremor, que caminha para a 10.ª edição, em 2023.“Os
Açores são possibilidade de criar, de fazer diferente das grandes
cidades. A marca do mar está muito presente, despertando o interesse por
um universo de desconhecimento”, descreve.Para
os açorianos, “a geografia vale outro tanto como a história, como
escreveu [Vitorino] Nemésio”, e “tudo é sempre resultado da geografia”,
observa, por seu turno, Joel Neto. “O
mar é tudo”, resume o escritor, natural da ilha Terceira, destacando o
potencial de um mar que tem “400 vezes o tamanho das suas ilhas”. Os
Açores, refere, têm 57% da Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Portugal e
cerca de um terço da ZEE da União Europeia: “Temos um território
infinito com uma diversidade de recursos enorme, que só com uma boa
exploração nos farão sair da cauda do desenvolvimento, invertendo os
dramáticos indicadores de abandono escolar, pobreza, violência
doméstica, suicídio jovem ou défice de participação cívica das
mulheres.”Localizada
“no cruzamento de uma corrente do golfo com uma série de fenómenos
atmosféricos”, a região é “um caldo meteorológico singular” e um
“verdadeiro caldeirão natural”. “Não é fácil instalar vida em ilhas assim. Mas é possível fazer mais a partir dos recursos que temos”, sustenta. No
arquipélago, o mar está na mesa, alimentando restauração e pescadores
(o setor teve proveitos de 34 milhões de euros em 2021), é parque
arqueológico subaquático, naufrágios ou aves marinhas no Corvo, a mais
pequena ilha açoriana, além de ser, ainda hoje, artesanato feito de
escamas, com 25 artífices certificadas com a marca da região.Classificados
como ‘hope spot’ (lugar de esperança) para a conservação dos oceanos
por uma organização não governamental norte-americana, os Açores
ambicionam agora, através do Governo Regional, superar a meta da União
Europeia e ter 30% de Áreas Marinhas Protegidas até 2023, tornando-se
numa “referência planetária” na conservação da biodiversidade.O
executivo prevê ainda investir num novo navio de investigação e avança
com a construção do Tecnopolo, para desenvolver atividades ligadas ao
mar, nomeadamente a biotecnologia marinha, biomateriais, recursos
minerais ou tecnologias marinhas.Telmo
Morato, do instituto Okeanos, centro de investigação e desenvolvimento
da Universidade dos Açores (UAc), desconhece local no mundo onde “se
congreguem tantos pontos de interesse” de estudo e exploração sobre o
mar profundo.“Estão
mesmo no topo da Dorsal Média Atlântica, a maior cadeia montanhosa
submarina. É a maior cordilheira do planeta Terra, que se estende desde a
Islândia até à Antártida, o que fornece à região o privilégio de ter
acesso a vários ecossistemas”, descreve.Por
isso, o cientista apresenta o arquipélago como “centro mundial de
investigação do mar” e “um dos locais onde se produz mais informação
sobre o mar profundo”.“A
junção tripla de placas tectónicas, com vários ecossistemas, constitui
uma verdadeira encruzilhada biológica, um mosaico ecológico que faz dos
Açores um lugar muito especial”, indica também o biólogo marinho Filipe
Porteiro, do Departamento de Oceanografia e Pescas da UAc. Segundo
o especialista, os Açores são “os maiores produtores de ciência e
conhecimento na área das fontes hidrotermais, profundidade, cetáceos,
esponjas e corais”.Acresce
que, no Atlântico Norte, esta foi das últimas regiões a deixar de caçar
cachalotes, em 1984. A “mudança de paradigma na relação entre o homem e
o animal”, recorda o cientista, surgiu a par de uma “valorização
histórica e cultural”, com a criação da Comissão do Património Baleeiro
Regional e vários museus em diferentes ilhas.“Quase
que em simultâneo, houve uma transferência desse conhecimento para
observar as baleias. Usaram-se as vigias em terra e todo o conhecimento
adquirido durante a caça à baleia. Até as mesmas pessoas foram
integradas nessa nova atividade, que surgiu logo em 1989”, acrescenta.Cerca
de 30 anos depois, as atividades de “ecoturismo marinho”, que não se
cingem apenas à observação de cetáceos mas abrangem também o mergulho
com tubarões ou jamantas, rendem cerca de 210 milhões de euros por ano
na região.