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“A verdade é que nasci com esse bichinho de criar”

Carolina Ferreira. Foi no meio dos maracujás e das uvas que cresceu. Foi o pai que incutiu o ‘bichinho de querer criar e  inovar’ e também de estar atenta a tudo à sua volta. Vive entre Lisboa e São Miguel e diz que o seu coração está dividido entre as lojas e a fábrica, nunca esquecendo as filhas, a família



Autor: Susete Rodrigues

Diz que nasceu no meio dos maracujás e das uvas. Na escola era conhecida como a ‘Carolina do maracujá’, uma alcunha que nunca levou a mal. Estava um bocadinho ansiosa aquando da nossa entrevista porque, como confessou, raramente fala de si, mas com o decorrer da conversa foi perdendo a ansiedade e foi recordando, com muito carinho e talvez alguma saudade a sua infância, o seu percurso escolar e profissional, lembrando também o pai (Eduardo Ferreira), o qual tem “muito orgulho”, a sua família no todo.

Carolina Ferreira conta-nos que a sua infância e adolescência foram muito felizes. Foram vividas no meio de uma família muito grande, “somos mesmo uma família grande. Lá em casa éramos cinco filhos. Do lado da minha mãe são cinco filhos e do lado do meu pai também foram cinco filhos. Ou seja, casa cheia de irmãos e primos”. 

Uma infância ligada à natureza, diz para recordar que nasceu “no meio dos maracujás e no meio das uvas, porque o meu pai, quando veio dos Estados Unidos para São Miguel, começou com as aguardentes, por isso é que tenho a minha ligação às uvas” (...). Depois, “começamos a plantar maracujás e aí a minha infância foi quase toda a regar os maracujás, a cuidar dos maracujás, a cortar maracujás, tanto que na escola me chamavam a ‘Carolina do maracujá’. Mas foi uma infância mesmo muito feliz”.

Carolina Ferreira estudou sempre na Ribeira Grande: primeiro na Escola do Divino Espírito Santo, depois na Escola Gaspar Frutuoso e até ao 12.º ano na Escola Secundária da Ribeira Grande”. O ensino superior foi em Lisboa: “entrei para Gestão de Engenharia Industrial, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Sempre foi uma escola muito próxima. Nós éramos como uma família e ajudou-me um bom bocado. Fiz também um master’s degree em Logística na Suécia”.

Apesar ser independente, ter ido para Lisboa, foi uma fase “muito desafiante. Desde sempre quis trabalhar, sempre trabalhei, mas sair da asa e da proteção dos pais, dos tios, dos amigos... é sempre uma aventura. Graças a Deus correu muito bem”. Do que mais sentiu falta, para além da família e dos amigos, foi do “mar... é uma fase que coloca à prova tudo aquilo que achámos que sabemos e que damos como dado adquirido. Mas foi uma experiência muito enriquecedora”.

A sua experiência na Suécia também foi muito desafiante porque, como nos disse, “tudo é diferente, nomeadamente o ensino, porque “havia muito trabalho de grupo e havia muito a crítica positiva, nós (portugueses) não estamos muito habituados à crítica positiva”, acrescentando que “alguém falar do meu trabalho, dizer que podes melhorar aqui e ali, isto está mal, tens de fazer assim, não foi propriamente fácil no início para mim, mas depois foi extremamente enriquecedor porque hoje em dia alimento isso. Ou seja, tentarmos melhorar o trabalho dos outros, mas no sentido de querer fazê-los crescer, não é de uma forma pejorativa, mas sim de melhorar em cada projeto que se faz”.

De certa forma Carolina Ferreira acaba por seguir os passos do pai. “Acho que esta paixão foi crescendo comigo desde pequenina”. Recorda-nos que o pai fundou a marca Mulher de Capote, o licor de maracujá. Na altura existia uma mística muito grande à volta do licor de maracujá porque ninguém sabia fazê-lo, era um segredo e cresci com essa paixão de descobrir como é que se fazia licores (…)”. Por isso, “tenho muito orgulho no percurso que o meu pai fez. Creio que nós, como família, temos conseguido fazer crescer a fábrica de licores (…). Estamos sempre à procura de trazer sabores diferentes para a mesa dos açorianos, fazer com que cada garrafa que seja aberta, seja um momento de partilha. Isso é muito importante, porque cada garrafa que é desenvolvida por nós é feita mesmo com muito carinho”.

Em 2009 abriu a sua primeira loja de produtos açorianos em Lisboa, a Mercearia dos Açores. Atualmente tem duas lojas físicas e uma online. Questionada sobre as razões para este investimento, Carolina Ferreira, lembra que quando foi estudar para Lisboa não havia muitos produtos açorianos à venda (…) e “vinha muito carregada, trazia carne, os licores, as pimentas, os chás, etc.. Também é verdade que não havia limite de bagagens”, conta-nos com boa disposição, acrescentando que “agora os estudantes já têm cá as minhas lojas, então podem vir matar saudades”.

No entanto, antes de colocar em marcha o seu projeto, Carolina Ferreira refere que “primeiro quis experimentar algumas áreas - trabalhei como consultora financeira na Deloitte e também trabalhei na grande distribuição - antes de me lançar para um projeto meu”. Confessa ainda: “a verdade é que nasci com esse bichinho de criar. O meu pai sempre nos incutiu o bichinho de querer criar, de querer inovar. Lembro-me do meu pai nos pedir – e ainda hoje fazemos isso - para quando viajássemos estarmos sempre atentos, e depois conversávamos sobre o que vimos, isso para que estejamos sempre a melhorar os nossos produtos. E tento fazer, às vezes, isso com as minhas filhas”.

Na Mercearia dos Açores, em Lisboa, pode-se encontrar “um bocadinho de cada ilha. (…) Temos desde os vinhos do Pico, as conservas de São Jorge, uns biscoitinhos de orelha, as queijadas das Graciosa, os queijinhos da Graciosa, as Donas Amélia da Terceira, o queijo da Vaquinha, os gelados, a carne também da Terceira, o mel da Terceira (…). Procuro sempre que quem vem aqui conheça um pouquinho dos Açores e crie aquela curiosidade de ir às ilhas”.

Carolina Ferreira vive entre Lisboa e São Miguel: “A minha casa é em Lisboa, as minhas filhas estão em Lisboa, mas vou a São Miguel de duas em duas semanas porque metade do meu trabalho, é trabalho para São Miguel”. 

Em termos de sonhos “gostava muito que os nossos licores estivessem em quase todas as mesas portuguesas, porque das dos açorianos acho que já está”. Para que isso aconteça é preciso continuar a trabalhar e, neste momento, “estamos a desenvolver novos licores e temos também em desenvolvimento um rum envelhecido (...)”. É com ternura na voz que Carolina Ferreira termina, afirmando que “acho que dá para perceber (ao longo da nossa conversa) que o meu coração está dividido entre as lojas e a fábrica - Fábrica de Licores Mulher de Capote - e que há espaço para continuar com esses projetos”.