80% dos funcionáros judiciais em esgotamento devido a organização do trabalho
21 de nov. de 2023, 11:14
— Lusa/AO Online
De
acordo com o Relatório Final do Inquérito Nacional às Condições de Vida
e de Trabalho dos Funcionários Judiciais”, da autoria de um conjunto de
investigadores da Universidade Nova de Lisboa, e que ouviu um universo
de mais de dois mil entrevistados para este trabalho pedido pelo
Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), 80% dos funcionários
apresenta níveis elevados de esgotamento, “o que não é um bom sintoma do
estado de saúde” destes profissionais.Destes,
“cerca de 44% têm um nível muito elevado e extremamente elevado de
exaustão emocional”, o que representa níveis superiores aos de outras
classes profissionais já estudadas incluindo professores, jornalistas ou
pessoal de voo.“Para nós ficou muito
claro que há um impacto na saúde que tem a ver com a organização e a
gestão do trabalho. A forma como está organizado o trabalho adoece os
profissionais, neste caso, os funcionários judiciais. Isto tem a ver com
uma série de fatores onde se destaca evidentemente a desmotivação pela
ausência de carreiras, um salário que não permite pagar contas aos
preços que temos neste momento”, disse à Lusa Raquel Varela, uma das
autoras do estudo, que sublinhou os casos de oficiais de justiça com
segundos e terceiros empregos “para conseguir sobreviver”.Raquel
Varela sublinhou a “degradação da Justiça que [os funcionários
judiciais] acabam por sofrer diretamente”, ao ser a primeira linha de
contacto do cidadão com a Justiça, com efeitos nos próprios
trabalhadores, mas em todo o sistema, defendendo que as soluções passam
necessariamente por ouvir os trabalhadores e por mudanças na organização
das condições de trabalho, “das questões mais políticas que há em
Portugal”.“Tem que haver aqui uma
intervenção política que implica naturalmente escolhas, do ponto de
vista não só salarial, mas também do ponto de vista organizativo. Esta
gestão empresarial, posso concluir sem qualquer dúvida, tem adoecido os
trabalhadores. Este modelo gestionário da avaliação individual de
desempenho, das carreiras afuniladas para progredir, isto quebra as
relações de confiança entre os trabalhadores, aumentam as denúncias,
aumenta o assédio”, disse. “Tudo isso só
pode ser revertido se houver mais democracia nos locais de trabalho, se
os trabalhadores forem mais ouvidos e participarem mais nas decisões e
não só na execução. Não podemos tratar os trabalhadores como meros
executores, que estão ali simplesmente a receber ordens”, acrescentou,
rejeitando a ideia de uma “gestão que trata toda a gente como uma folha
de Excel”.O estudo identificou
percentagens elevadas de desmotivação, com mais de 75% dos inquiridos a
revelarem um distanciamento muito alto em relação ao trabalho, revelando
ainda que as questões salariais são um problema para a quase totalidade
dos funcionários judiciais, que se queixam de “baixos salários e
remunerações insuficientes, afirmando que isso não lhes permite ter uma
vida digna. Apenas 2% dos inquiridos afirmaram não se sentirem afetados
por esta questão”.Ainda segundo o estudo,
“aproximadamente 88,5% dos inquiridos afirmaram ser afetados por
conflitos com a hierarquia”, o que “sugere que existe uma tensão
significativa nas relações entre os funcionários judiciais e os seus
superiores, o que pode contribuir para o desgaste emocional e
profissional relatado”.“É possível que uma
parte significativa dos funcionários judiciais tenha já sido empurrada
para a doença mental ou física como consequência destes constrangimentos
deletérios. Ou, como alternativa, para o abandono da profissão, de modo
a salvaguardar a sua saúde mental. Aqueles que continuam a exercer a
profissão terão, por sua vez, necessariamente desenvolvido modos de
adaptação que lhes permitem suportar o impacto nefasto desta organização
do trabalho”, lê-se no estudo.Para os
autores, os resultados demonstram que os funcionários judiciais
“enfrentam níveis elevados de desgaste e ‘burnout’ no seu trabalho”,
assim como a “necessidade de atenção e intervenção para promover
melhores condições de trabalho, apoio emocional e remunerações
adequadas”, tendo em vista a prevenção da doença mental.