Estas são duas das áreas em que PS e PSD
registaram consensos na primeira fase do processo – os dois partidos são
fundamentais para que se alcancem os dois terços necessários a qualquer
alteração da Constituição –, bem como no reforço dos direitos
ambientais e dos animais na lei fundamental.A
modernização da linguagem constitucional é outra das potenciais
mudanças à vista, num processo em que o PS até demonstrou abertura para
algumas alterações pontuais no sistema político, área que tinha
rejeitado à partida mexer, embora ainda sem compromissos de parte a
parte com qualquer aprovação final.A
primeira leitura das quase 400 alterações propostas pelos oito partidos
com assento parlamentar deverá terminar entre esta e a próxima semana,
ficando para depois do verão a votação artigo a artigo.Entre
as matérias já definitivamente rejeitadas, contam-se várias do Chega –
partido que desencadeou a revisão – como a inclusão da prisão perpétua
ou castração química, a redução de deputados (PSD e Chega), eliminação
de um referendo para instituir a regionalização (BE e PCP), bem como
todas as propostas da IL de simplificação ou reorganização económica,
ficando também inalterado o preâmbulo, que a maioria dos partidos
considerou ter apenas um valor histórico.Segue-se, em pontos essenciais, um resumo das principais alterações que mereceram consenso ou abertura por parte de PS e PSD:*** Emergência sanitária ***PS
e PSD foram os dois únicos partidos a concordar incluir na Constituição
a privação da liberdade para doentes graves e contagiosos, ainda que
sem estado de emergência, com os restantes partidos a considerarem que
se deve manter o atual quadro jurídico.Ambos
os partidos optam por acrescentar no artigo que regula o direito à
liberdade e segurança (27.º) uma nova exceção às atuais normas que já
permitem a privação da liberdade, embora com diferentes formulações,
manifestando-se disponíveis para chegar a um texto comum.Os
socialistas determinam que a privação da liberdade possa acontecer para
"separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou
relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou
infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão
fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência
de saúde pública, com garantia de recurso urgente à autoridade
judicial".O PSD usa uma formulação
diferente: “Confinamento ou internamento por razões de saúde pública de
pessoa com grave doença infetocontagiosa, pelo tempo estritamente
necessário, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.Na
discussão, o PSD salientou que a sua proposta exige que exista uma
doença já verificada – em vez de apenas um “fundado receio” – e,
sobretudo, “a chancela de um juiz”, não bastando a decisão de uma
autoridade administrativa.O PS admitiu que
a intervenção judicial “faria todo o sentido”, mas advertiu que
dificilmente se conseguiria concretizar de forma célere, dizendo
rever-se no texto do PSD em que se permite uma autorização ‘a
posteriori’.*** Metadados ***PS
e PSD concordaram que os serviços de informações devem poder aceder aos
dados de contexto das comunicações, salientando que tal nada tem a ver
com problemas recentes relacionados com a inconstitucionalidade da lei
que regula o uso de metadados em investigações criminais.Os
coordenadores dos dois partidos, Pedro Delgado Alves (PS) e André
Coelho Lima (PSD), frisaram que a atual revisão constitucional apenas
irá decidir se os serviços de informações devem ou não ter acesso a
estes dados de contexto (que podem incluir informações sobre tráfego ou
de localização do equipamento, mas não ai conteúdo das comunicações).Neste
artigo, relativo à inviolabilidade do domicílio e da correspondência,
PS e PSD têm formulações diferentes, mas manifestaram-se disponíveis
para convergências, e, dos restantes partidos, apenas o Chega manifestou
disponibilidade para apoiar a mudança.O
PSD opta uma formulação mais genérica, determinando que “a lei pode
autorizar o acesso do sistema de informações da República aos dados de
contexto resultantes de telecomunicações, sujeito a decisão e controlo
judiciais”. Já o PS, mantendo a proibição
de “toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas
telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos
previstos na lei em matéria de processo criminal”, introduz uma exceção a
este princípio geral: “O acesso, mediante autorização judicial, pelos
serviços de informações a dados de base, de tráfego e de localização de
equipamento, bem como a sua conservação, para efeitos de produção de
informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional, da segurança
interna de prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo,
proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente
organizada, nos termos a definir pela lei”.*** Bem-estar animal ***Os
partidos concordaram em consagrar na Constituição a promoção do
bem-estar animal para tentar ultrapassar várias declarações de
inconstitucionalidade da lei dos maus tratos a animais.Em
concreto, pretende-se alterar o artigo 66.º sobre ambiente e qualidade
de vida, com o PS a propor como uma incumbência do Estado a promoção do
bem-estar animal, e o BE criar um artigo autónomo sobre o tema, o que
mereceu a concordância generalizada dos restantes partidos, PSD
incluído.Em janeiro, o Ministério Público
junto do Tribunal Constitucional pediu a declaração de
inconstitucionalidade da norma que criminaliza com multa ou prisão quem,
sem motivo legítimo, mate ou maltrate animais de companhia, pedido que
surgiu após três decisões do Tribunal Constitucional nesse sentido.*** Direitos fundamentais e linguagem ***A
maioria dos partidos quer alargar na Constituição a lista das tarefas
fundamentais do Estado para incluir princípios como a erradicação da
pobreza, a justiça intergeracional ou a defesa da natureza e do
ambiente.Este foi o artigo que mais
alterações suscitou na atual revisão constitucional, com o PS a defender
a introdução de novos conceitos como a promoção de laços das
comunidades no estrangeiro ou a erradicação da pobreza, a par da
constitucionalização do princípio da coesão territorial.O
PSD quer colocar entre estas tarefas primordiais as necessidades dos
territórios de baixa densidade e a justiça entre gerações. PS
e PSD mostraram-se também abertos à possibilidade de eliminar da
Constituição o critério “político” do conceito de refugiado, uma
proposta da Iniciativa Liberal para que o texto fundamental passasse
apenas definir que “a lei define o estatuto do refugiado”.Na
primeira fase da discussão, houve consenso para substituir na
Constituição a expressão “direitos do homem” por “direitos humanos”, ou
“cidadãos portadores de deficiência” para “pessoas com deficiência”, bem
como abertura para trocar a expressão ‘raça’ por ‘etnia’ ou ‘pertença
étnico-racial’.Ainda no capítulo dos
direitos, liberdades e garantias, os partidos concordaram em consagrar o
direito ao esquecimento digital na Constituição, comprometendo-se a
encontrar um texto comum neste ponto.*** Direitos e deveres sociais ***PS
e PSD concordaram em consagrar na Constituição um novo artigo sobre o
direito à alimentação, embora os sociais-democratas tenham alertado para
uma eventual dificuldade em concretizar as propostas apresentadas por
socialistas e Livre.No domínio da
habitação, registou-se apoio à proposta do BE para incluir na
Constituição que todos têm direito a uma habitação “com acessibilidade
física”, tal como à do PS para consagrar “medidas de proteção especial”
neste capítulo às vítimas de violência doméstica.No
artigo relativo à família, houve consenso generalizado quanto à
proposta do PS para incluir na Constituição que incumbe ao Estado
“estabelecer políticas integradas e adotar medidas de prevenção e
combate à violência doméstica e de género”, bem como uma referência à
conciliação da atividade profissional com a vida familiar, já prevista,
“com a dimensão cívica”.O alargamento dos
direitos dos consumidores na Constituição proposto pelo PS mereceu
também um consenso generalizado dos partidos, propondo os socialistas
incluir na lei fundamental que todos os consumidores têm direito a
“serviços de interesse económico geral em condições de universalidade,
igualdade e equidade”, incluindo nestes “os de fornecimento de água, de
saneamento, de energia, de transportes coletivos urbanos, de
telecomunicações, de correios e outros previstos na lei”.*** Saúde e educação ***Na
área da saúde, os partidos concordaram em incluir os cuidados
paliativos e reprodutivos nas incumbências do Estado no que toca aos
cuidados de acesso universal. Já na
educação, houve acordo para alargar na Constituição o conceito de
“ensino universal, obrigatório e gratuito” ao secundário, ao pré-escolar
e até às creches, até agora apenas previsto na lei fundamental para o
básico.*** Sistema político ***Apesar
da posição de princípio inicial do PS contra quaisquer alterações em
matérias institucionais, ao longo das reuniões os socialistas
manifestaram abertura para algumas mudanças pontuais neste capítulo,
entre as quais a proposta do PSD para ‘encurtar’ a quarta e última
sessão legislativa de cada legislatura para que as eleições nacionais
passem a realizar-se antes do verão, já que os socialistas apresentaram
no passado uma proposta semelhante.O PS
mostrou-se igualmente disponível para acolher propostas – do PSD e do
Chega – que clarificam que os Governos em gestão ficam impedidos de
fazer nomeações definitivas, bem como propostas de PSD e IL para
eliminar da Constituição a necessidade de referenda ministerial após a
promulgação de leis pelo Presidente da República, considerada
generalizadamente como “um instituto obsoleto”.O
PS admitiu também “uma reflexão” sobre propostas do PSD e do Chega que
pretendem introduzir na Constituição a possibilidade de limitações
temporais aos mandatos de todos os titulares de cargos políticos,
incluindo deputados, (atualmente só previstos para cargos executivos), e
ainda abertura para aperfeiçoar na Constituição o acompanhamento de
matérias europeias pela Assembleia da República.Também
a proposta do PSD para antecipar a apreciação pelo parlamento da Conta
Geral do Estado, fixando o prazo até 31 de julho do ano seguinte ao
Orçamento a que se refere (em vez da atual data de 31 de dezembro) foi
recebida pelos socialistas como “um contributo valioso” e com promessas
de atenção.