Açoriano Oriental
O Poder da Oração no feminino

As romarias quaresmais, tradição secular associada à ilha de São Miguel, cumprem 500 anos em 2022. Nas ilhas Terceira e Graciosa, a manifestação religiosa é recente. Na Diocese de Angra, as romarias foram adotadas por homens até terem surgido grupos organizados de mulheres. O Rancho de Romeiras de Nossa Senhora da Conceição é o único reconhecido oficialmente.


Autor: Cátia Carvalho

A fé, “uma palavra tão pequena onde cabe o mundo”, segundo Isabel Cunha, mestre do Rancho de Romeiras de Nossa Senhora da Conceição, não é só uma crença individual própria como também é um elo de ligação familiar profundo.


“O meu irmão, o Padre Dinis Silveira, foi um dos fundadores do Rancho de Nossa Senhora da Conceição. Na altura, em 2007, era o único que existia na Terceira e era constituído por homens. Os meus dois filhos começaram a acompanhar o tio pelas estradas da nossa ilha e eu fui vivendo as romarias muito de perto, mas sempre de fora. A sensação com que ficava cada vez que observava a expressão dos romeiros enquanto caminhavam sempre me despertou a vontade de viver a fé deles desde de dentro. Foi essa curiosidade - e necessidade - que me levou, a mim e à minha irmã Lisandra, a formarmos, em 2017, o Rancho feminino de Nossa Senhora da Conceição”.


Apesar de existir mais um grupo de mulheres a organizar romarias na ilha, o Rancho de Romeiras de Nossa Senhora da Conceição, criado pelas irmãs Isabel e Lisandra, é o único reconhecido oficialmente pela Diocese de Angra, “o funcionamento dos dois grupos têm aspetos diferentes. O nosso rancho segue o regulamento dos ranchos de romeiros aprovado e utilizado pela nossa Diocese”, esclarece Isabel.


“O padre Dinis Silveira apoiou-nos na elaboração do guião que serve para orientar a romaria no que diz respeito às entradas nas igrejas, às orações e aos cânticos e o irmão Mestre Paulo Roldão ajudou-nos com a orgânica do grupo”.


“Fazei tudo o que Ele vos Disser” do evangelho de São João foi o tema da romaria deste ano que contou com 27 irmãs entre os 9 e os 59 anos e que percorreu uma parte da ilha, desde a freguesia dos Biscoitos, no concelho da Praia da Vitória, até à freguesia de Nossa Senhora da Conceição, em Angra do Heroísmo.


“Os homens percorrem a ilha toda” explica Isabel, “para nós, mulheres, é complicado fazer os cinco dias de romaria como eles fazem. Muitas são mães, trabalham e não podem estar disponíveis tanto tempo”.


Explicar o que é não é um exercício fácil para a mestre do grupo, “é muito difícil descrever a experiência de uma romaria para quem nunca a viveu. Para mim a romaria é um bálsamo, um respirar, um fermento que se vai buscar para se usar nos outros dias do ano. É um encontro muito pessoal com Deus. É frequente esquecermo-nos Dele no nosso dia-a-dia, quando Ele devia ser o centro da nossa vida. Com Ele tudo sem Ele nada”.


Para Ana Silva, uma das irmãs do Rancho de Romeiras de Nossa Senhora da Conceição, a romaria é sobretudo um momento de agradecimento: “Vim a primeira vez o ano passado porque as minhas irmãs e algumas amigas decidiram participar. Este ano já acrescentámos as sobrinhas”, conta. “Quando estou em romaria é como se estivesse isolada do mundo. Ponho de lado os pensamentos e problemas do dia-a-dia e concentro-me, sobretudo, em agradecer. Já me aconteceram algumas coisas más na vida, mas tento sempre pensar na sorte que tive”.


Este ano coube-lhe ser o 'Procurador de Almas', quem recebe durante o trajeto os pedidos de oração. “Quem pede, pede quase sempre por motivo de doença, por cura do cancro ou por questões de emprego”, revela Isabel, “o ano passado tivemos 26 pedidos de oração e este ano 30”.


Os momentos de reflexão e de convívio não se reduzem apenas aos dias de estrada, “nós temos várias reuniões mensais onde refletimos juntas sobre o tema da romaria. Depois explicamos a orgânica do funcionamento. Quem organiza a romaria, trabalha o ano inteiro para que tudo corra bem com as refeições, dormidas, reuniões. Existem vários pormenores que têm de ser todos articulados para que as irmãs façam a romaria nas melhores condições. Também costumamos participar em eventos sempre que se justifica. Este ano criámos uma equipa para o projeto de solidariedade ‘Um dia pela Vida’ e organizámos uma venda de pão-de-leite para ajudar a causa. Tentamos sempre manter o rancho unido até à próxima romaria”.


Em relação ao futuro, Isabel é otimista, “há cada vez mais jovens a integrar as romarias, tanto nos grupos masculinos como nos femininos, tenho a certeza que a tradição se irá manter”.


As romarias quaresmais dos Açores, cuja candidatura a Património Imaterial da UNESCO está a ser preparada, realizam-se até ao próximo dia 18 de abril. O Dia do Romeiro assinala-se a 5 de maio.




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