Açoriano Oriental
O anjo da guarda dos surfistas que já fez dezenas de salvamentos

Marco Medeiros, de 40 anos, natural da Ribeira Grande, é bombeiro desde criança, seguindo a tradição da família, uma vez que o seu pai e o seu avô também foram bombeiros e o seu filho já lhe segue as pisadas. Portanto, a família Medeiros já vai na quarta geração de soldados da paz.


Autor: Rui Jorge Cabral

O seu avô, inclusivamente, chegou a ser o bombeiro mais antigo dos Açores no ativo. Mas além da vocação de estar ao serviço das pessoas e de poder ajudar nos momentos de aflição, Marco Medeiros é também um apaixonado pelo mar.

Herdou este gosto também da família, com o avô materno, que era pescador e com quem aprendeu a ‘ler’ o mar e a medir até onde pode a força humana no duelo desigual com a força da natureza.

Além de coordenador da Associação Nadadores Salvadores Costa Norte, Marco Medeiros é atualmente surfista de ondas grandes. Mas é sobretudo como ‘anjo da guarda’ dos surfistas, ou seja, como operador de segurança, pilotando a sua mota de água, que o seu trabalho mais se tem destacado. 

Certificado pelo Big Wave Risk Assessment Group, Marco Medeiros tem garantido a segurança de vários eventos de ondas grandes, nos Açores e, sobretudo, no continente português, com destaque para o famoso ‘canhão’ da Nazaré, um dos melhores locais do mundo para surfar ondas gigantes.

Com uma preparação de alto nível para salvamentos no mar, Marco Medeiros tem sido também muito útil aos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande, onde já atingiu o posto de subchefe, participando com frequência em salvamentos no mar, com o destaque para o resgate ainda no passado dia 13 de fevereiro de dois surfistas espanhóis na zona do Areal de Santa Bárbara, um salvamento de grande coragem, feito já de noite e em condições de mar muito difíceis.

Em entrevista ao Açoriano Oriental, Marco Medeiros recorda o seu primeiro salvamento como bombeiro, que aconteceu durante uma cheia na cidade da Ribeira Grande. Ainda nem tinha completado a sua formação para integrar o quadro, quando “salvei uma senhora que estava a ser arrastada pela ribeira, na traseira da sua casa, porque eu acompanhava sempre o meu pai e o meu avô”.

Marco Medeiros recorda também que apesar de já praticar surf por lazer há vários anos, a sua entrada a sério neste mundo como operador de segurança surgiu pela mão do surfista João de Macedo, o grande impulsionador do surf de ondas grandes de remada em Portugal, que o convidou para chefe de segurança de uma iniciativa do Projeto EDP Mar Sem Fim, organizada em São Miguel.

Foi também João de Macedo que estimulou Marco Medeiros a pôr os pés na prancha de ondas grandes e a experimentar a adrenalina de surfar as paredes gigantes do mar, que podem atingir mais de 10 metros e que em São Miguel, se formam em melhores condições no concelho da Ribeira Grande, nomeadamente na Baixa de Santana (Areal de Santa Bárbara) e na Baixa da Viola, na freguesia da Maia.

O segredo para um salvamento no mar, no caso de Marco Medeiros, vem das “muitas horas que eu passei com o meu avô, que era pescador e que me fez conhecer as condições do mar e do estado do tempo, não através da internet e dos sites de meteorologia. Com o meu avô, eu aprendi a ver as nuvens, a sentir o vento e a conhecer os efeitos da lua, para perceber as condições do mar. Acompanhei o meu avô no mar muitas horas e foi aí que ganhei a paixão pelo mar”. No entanto e apesar dos conhecimentos que foi adquirindo ao longo dos anos, Marco Medeiros garante que “com o mar não se brinca”!

E embora não os tenha registados, Marco Medeiros já fez  dezenas de salvamentos no mar, sendo hoje um operador de segurança requisitado para vários eventos de ondas grandes que se realizam em Portugal e mesmo no estrangeiro, tendo já feito a segurança de um evento em Espanha.

Marco Medeiros já foi assim o anjo da guarda de praticamente todos os maiores surfistas de ondas grandes do mundo, incluindo aquele que é talvez o mais famoso de entre eles, o norte-americano Garrett McNamara.

E se Marco Medeiros aprendeu muito com o surfista de ondas grandes João de Macedo, foi também com ele, no difícil mar da Nazaré, que viveu o seu momento mais difícil, quando o salvador quase que teve também de ser resgatado. Marco lembra “que isto aconteceu na primeira vez que fui à Nazaré e levei a mota que usava em São Miguel, mas que não tinha a cavalagem necessária para as ondas monstruosas daquele sítio.  Durante uma tempestade, eu estava com o João de Macedo, ele apanha uma onda e quando estava já a saltar para o sled (prancha atrelada às motas de água a que os surfistas se agarram), outra onda rebenta logo atrás de nós e a mota foi quase ‘engolida’ pela rebentação, sem ter a potência suficiente para fugir”.

O que salvou Marco Medeiros foi a sua habilidade na pilotagem da mota, conseguindo manter sempre o equilíbrio e nunca perder a mota até libertar-se da rebentação.  “Na altura ainda me faltava um pouco de leitura do mar na Nazaré, que é muito difícil de perceber, porque aquele não é um mar certo, com as ondas a formarem-se ora pela direita, ora pela esquerda e temos, por isso, de ter uma grande visão do mar da Nazaré”.

Ainda recentemente, no Areal de Santa Bárbara, que tão bem conhece, Marco Medeiros passou por outra situação limite, em que admitiu mesmo ter “ultrapassado os limites de segurança” para conseguir salvar dois surfistas espanhóis que foram arrastados ao fim do dia para alto mar e acabaram por ser resgatados, já de noite, a um quilómetro da costa.

Marco Medeiros foi para o mar na sua mota de água mais o seu colega Hélder Raposo, que está a ser formado por ele para salvamentos no mar. Quando a noite caiu, Marco Medeiros ainda não tinha encontrado os surfistas espanhóis e decidiu então comunicar para terra a pedir que lhe ligassem as luzes de emergência da ambulância, que lhe serviriam de referência na costa. Foi também nessa altura que fez todo o uso dos seus conhecimentos ancestrais aprendidos com o avô.

Marco Medeiros praticamente já só via um metro à sua frente, quando voltou atrás, ao ponto em que, supostamente, os surfistas começaram a ser arrastados e deixou-se ficar à deriva para fazer a leitura do mar e perceber para onde é que este o arrastava. Marco afastou-se até cerca de um quilómetro da costa. “Estava a sentir as ondas a bater e não tinha visibilidade, mas como eu conheço aquela praia como a palma da minha mão, até com os olhos fechados eu sabia onde estava”, recorda.

E é então que os dois surfistas espanhóis foram encontrados, num última tentativa e já depois de Marco Medeiros ter pedido para terminar as buscas e voltar a terra.  Conforme recorda, “depois de poisar o rádio, olhei para o céu e pedi à nossa padroeira, a Senhora da Estrela e ao meu anjo da guarda, que é o meu pai, que me dessem uma luz para eu os encontrar, porque não estava a aceitar ir para terra, sabendo que havia duas vidas em perigo no mar... E quando vinha já de regresso a terra, a mota desviou-se um pouco para a direita e foi aí que deparei com os dois surfistas exaustos em alto mar”.

Por isso e da sua muita experiência no mar, Marco Medeiros lança o apelo aos surfistas, sobretudo os continentais ou estrangeiros, que não conhecem o mar da Ribeira Grande, para que “falem com os locais, tentem perceber as correntes, respeitem a hora do anoitecer e confiram bem o seu material, porque às vezes partem o chop (cabo que prende o pé do surfista à prancha)  e entram em pânico, pedindo ajuda”, alerta.

Marco Medeiros conclui, lembrando que treinar a apneia (suspensão da respiração) é essencial para um surfista, porque quando ele é enrolado por uma onda, a calma e o treino de poder suster a respiração o tempo suficiente para voltar à superfície em segurança, são essenciais para prevenir um acidente no mar.

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