Autor: Rui Jorge Cabral
O seu avô, inclusivamente, chegou a ser o bombeiro mais antigo dos
Açores no ativo. Mas além da vocação de estar ao serviço das pessoas e
de poder ajudar nos momentos de aflição, Marco Medeiros é também um
apaixonado pelo mar.
Herdou este gosto também da família, com o avô
materno, que era pescador e com quem aprendeu a ‘ler’ o mar e a medir
até onde pode a força humana no duelo desigual com a força da natureza.
Além
de coordenador da Associação Nadadores Salvadores Costa Norte, Marco
Medeiros é atualmente surfista de ondas grandes. Mas é sobretudo como
‘anjo da guarda’ dos surfistas, ou seja, como operador de segurança,
pilotando a sua mota de água, que o seu trabalho mais se tem destacado.
Certificado pelo Big Wave Risk Assessment Group, Marco Medeiros tem
garantido a segurança de vários eventos de ondas grandes, nos Açores e,
sobretudo, no continente português, com destaque para o famoso ‘canhão’
da Nazaré, um dos melhores locais do mundo para surfar ondas gigantes.
Com
uma preparação de alto nível para salvamentos no mar, Marco Medeiros
tem sido também muito útil aos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande,
onde já atingiu o posto de subchefe, participando com frequência em
salvamentos no mar, com o destaque para o resgate ainda no passado dia
13 de fevereiro de dois surfistas espanhóis na zona do Areal de Santa
Bárbara, um salvamento de grande coragem, feito já de noite e em
condições de mar muito difíceis.
Em entrevista ao Açoriano Oriental,
Marco Medeiros recorda o seu primeiro salvamento como bombeiro, que
aconteceu durante uma cheia na cidade da Ribeira Grande. Ainda nem tinha
completado a sua formação para integrar o quadro, quando “salvei uma
senhora que estava a ser arrastada pela ribeira, na traseira da sua
casa, porque eu acompanhava sempre o meu pai e o meu avô”.
Marco
Medeiros recorda também que apesar de já praticar surf por lazer há
vários anos, a sua entrada a sério neste mundo como operador de
segurança surgiu pela mão do surfista João de Macedo, o grande
impulsionador do surf de ondas grandes de remada em Portugal, que o
convidou para chefe de segurança de uma iniciativa do Projeto EDP Mar
Sem Fim, organizada em São Miguel.
Foi também João de Macedo que
estimulou Marco Medeiros a pôr os pés na prancha de ondas grandes e a
experimentar a adrenalina de surfar as paredes gigantes do mar, que
podem atingir mais de 10 metros e que em São Miguel, se formam em
melhores condições no concelho da Ribeira Grande, nomeadamente na Baixa
de Santana (Areal de Santa Bárbara) e na Baixa da Viola, na freguesia da
Maia.
O segredo para um salvamento no mar, no caso de Marco Medeiros, vem das “muitas horas que eu passei com o meu avô, que era pescador e que me fez conhecer as condições do mar e do estado do tempo, não através da internet e dos sites de meteorologia. Com o meu avô, eu aprendi a ver as nuvens, a sentir o vento e a conhecer os efeitos da lua, para perceber as condições do mar. Acompanhei o meu avô no mar muitas horas e foi aí que ganhei a paixão pelo mar”. No entanto e apesar dos conhecimentos que foi adquirindo ao longo dos anos, Marco Medeiros garante que “com o mar não se brinca”!
E embora não os tenha
registados, Marco Medeiros já fez dezenas de salvamentos no mar, sendo
hoje um operador de segurança requisitado para vários eventos de ondas
grandes que se realizam em Portugal e mesmo no estrangeiro, tendo já
feito a segurança de um evento em Espanha.
Marco Medeiros já foi
assim o anjo da guarda de praticamente todos os maiores surfistas de
ondas grandes do mundo, incluindo aquele que é talvez o mais famoso de
entre eles, o norte-americano Garrett McNamara.
E se Marco Medeiros
aprendeu muito com o surfista de ondas grandes João de Macedo, foi
também com ele, no difícil mar da Nazaré, que viveu o seu momento mais
difícil, quando o salvador quase que teve também de ser resgatado. Marco
lembra “que isto aconteceu na primeira vez que fui à Nazaré e levei a
mota que usava em São Miguel, mas que não tinha a cavalagem necessária
para as ondas monstruosas daquele sítio. Durante uma tempestade, eu
estava com o João de Macedo, ele apanha uma onda e quando estava já a
saltar para o sled (prancha atrelada às motas de água a que os surfistas
se agarram), outra onda rebenta logo atrás de nós e a mota foi quase
‘engolida’ pela rebentação, sem ter a potência suficiente para fugir”.
O
que salvou Marco Medeiros foi a sua habilidade na pilotagem da mota,
conseguindo manter sempre o equilíbrio e nunca perder a mota até
libertar-se da rebentação. “Na altura ainda me faltava um pouco de
leitura do mar na Nazaré, que é muito difícil de perceber, porque aquele
não é um mar certo, com as ondas a formarem-se ora pela direita, ora
pela esquerda e temos, por isso, de ter uma grande visão do mar da
Nazaré”.
Ainda recentemente, no Areal de Santa Bárbara, que tão bem
conhece, Marco Medeiros passou por outra situação limite, em que admitiu
mesmo ter “ultrapassado os limites de segurança” para conseguir salvar
dois surfistas espanhóis que foram arrastados ao fim do dia para alto
mar e acabaram por ser resgatados, já de noite, a um quilómetro da
costa.
Marco Medeiros foi para o mar na sua mota de água mais o seu
colega Hélder Raposo, que está a ser formado por ele para salvamentos
no mar. Quando a noite caiu, Marco Medeiros ainda não tinha encontrado
os surfistas espanhóis e decidiu então comunicar para terra a pedir que
lhe ligassem as luzes de emergência da ambulância, que lhe serviriam de
referência na costa. Foi também nessa altura que fez todo o uso dos seus
conhecimentos ancestrais aprendidos com o avô.
Marco Medeiros
praticamente já só via um metro à sua frente, quando voltou atrás, ao
ponto em que, supostamente, os surfistas começaram a ser arrastados e
deixou-se ficar à deriva para fazer a leitura do mar e perceber para
onde é que este o arrastava. Marco afastou-se até cerca de um quilómetro
da costa. “Estava a sentir as ondas a bater e não tinha visibilidade,
mas como eu conheço aquela praia como a palma da minha mão, até com os
olhos fechados eu sabia onde estava”, recorda.
E é então que os dois
surfistas espanhóis foram encontrados, num última tentativa e já depois
de Marco Medeiros ter pedido para terminar as buscas e voltar a terra.
Conforme recorda, “depois de poisar o rádio, olhei para o céu e pedi à
nossa padroeira, a Senhora da Estrela e ao meu anjo da guarda, que é o
meu pai, que me dessem uma luz para eu os encontrar, porque não estava a
aceitar ir para terra, sabendo que havia duas vidas em perigo no mar...
E quando vinha já de regresso a terra, a mota desviou-se um pouco para a
direita e foi aí que deparei com os dois surfistas exaustos em alto
mar”.
Por isso e da sua muita experiência no mar, Marco Medeiros
lança o apelo aos surfistas, sobretudo os continentais ou estrangeiros,
que não conhecem o mar da Ribeira Grande, para que “falem com os locais,
tentem perceber as correntes, respeitem a hora do anoitecer e confiram
bem o seu material, porque às vezes partem o chop (cabo que prende o pé
do surfista à prancha) e entram em pânico, pedindo ajuda”, alerta.
Marco
Medeiros conclui, lembrando que treinar a apneia (suspensão da
respiração) é essencial para um surfista, porque quando ele é enrolado
por uma onda, a calma e o treino de poder suster a respiração o tempo
suficiente para voltar à superfície em segurança, são essenciais para
prevenir um acidente no mar.