Governo pede urgência à AR sobre violência doméstica, PSD aponta inconstitucionalidadesl
6 de mai. de 2020, 18:14
— Lusa/AO Online
“Acho
que há uma urgência em tomar uma decisão sobre esta matéria. Agora é o
tempo do parlamento poder melhorar a proposta que o Governo aqui
apresenta, com a consciência de que precisamos mesmo de tomar as medidas
que estamos já há mais de um ano a trabalhar e a discutir de forma
alargada”, disse a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira
da Silva, no encerramento do debate sobre a alteração do regime jurídico
da violência doméstica que abriu hoje o plenário da Assembleia da
República.O apelo à urgência seguiu-se a
uma sucessão de intervenções dos partidos que genericamente reconheceram
as boas intenções do diploma proposto pelo Governo, ainda que
considerando que não foi tão longe quanto devia em algumas matérias e
apontando problemas para os quais mostraram disponibilidade para
ultrapassar em sede de especialidade.O
PSD, no entanto, foi mais crítico da proposta de lei do executivo e
afirmou, pela voz da deputada Mónica Quintela, que se recusava a aprovar
uma lei “que é um atropelo aos direitos, garantias e segurança de todos
os intervenientes” e que “desvirtua completamente o sistema jurídico
com grave prejuízo para as vítimas”, numa posição alinhada com a que foi
na terça-feira tornada pública pelo Conselho Superior da Magistratura
(CSM).O CSM num parecer à proposta apontou
questões de constitucionalidade e questionou os efeitos sobre a
especialização dos tribunais, defendendo que as alterações propostas
pelo executivo, que, por exemplo, permitem ao juiz de instrução criminal
tomar decisões temporárias de caráter cível relativas a menores
envolvidos em crimes de violência doméstica, vão “gerar confusão de
distribuição de competências” e aumentar o risco de decisões
contraditórias.“Se é evidente que o
combate à violência doméstica não pode esmorecer, também é evidente que
tem que ser eficaz e certeiro, tudo o que esta proposta não permite”,
criticou hoje Mónica Quintela, referindo que o modelo de inspiração
espanhola apresentado pelo Governo “confundiu conceitos e ideias”,
esquece a organização dos tribunais e as diferentes jurisdições, “faz
tábua rasa” dos princípios que fundamentam essas diferenças e coloca
juízes de instrução a decidir matérias da competência dos tribunais de
família, “como se fosse um larguíssimo antibiótico de largo espetro
sobre a violência doméstica”.“Fala em
repartição das tarefas entre tribunais, esqueceu-se das especializações
de cada um deles e da hierarquia para se indicar as decisões de cada um
deles, tudo numa mais do que duvidosa constitucionalidade. E com o risco
de decisões contraditórias e mal fundamentadas, o que não se pode
tolerar, por mais provisórias que as decisões sejam. Recordo aqui que o
provisório na justiça eterniza-se. A proposta arrasa com o princípio do
contraditório, o que é inaceitável num Estado de direito democrático
[…], passa uma esponja em tudo e aterra com estrondo no nosso
ordenamento jurídico”, defendeu a deputada social-democrata.Na
resposta, a encerrar o debate, Mariana Vieira da Silva afirmou que a
maior preocupação é a proteção das vítimas e recusou a eternidade
apontada por Mónica Quintela às medidas provisórias tomadas pelo juiz de
instrução criminal, sublinhando que se extinguem ao fim de três meses a
menos que sejam confirmadas pelo tribunal de família e menores.“Temos
que reconhecer que nos foram apontadas falhas nesta comunicação e que
temos que ter uma forma de lhes responder com a urgência devida e os
juízes ao longo da sua vida participam em diferentes especialidades e
não me parece que a decisão que aqui está em causa careça de qualquer
capacidade ou competência para as tomar”, disse a ministra.Os
problemas de constitucionalidade à proposta de diploma do Governo foram
também apontados por André Ventura, do Chega, que sobre o prazo de 72
horas para recolha de prova defendeu que o problema não é o tempo, mas a
falta de meios para aplicar a lei.Já
Telmo Correia, do CDS-PP, que disse que os centristas “não confrontam
diretamente a proposta” e estão disponíveis para a melhorar em sede de
especialidade e acolher propostas vindas da esquerda e da Iniciativa
Liberal (IL), entendem, no entanto, que em nome da resposta rápida às
vítimas não se pode “prescindir completamente do contraditório, peça
basilar do nosso ordenamento jurídico”.João
Cotrim de Figueiredo, da IL, defendeu o seu projeto de lei que pretende
reconhecer o direito às crianças a serem tratadas como vítimas
autónomas nos crimes de violência doméstica, não permitindo que
continuem a ser “vítimas esquecidas”, uma expressão também usada por
Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, para defender a mesma autonomização
das crianças e de um estatuto de vítima independente.Já
Alma Riveira, do PCP, que defendeu que mais do que alterar a lei é
preciso meios para a sua efetiva aplicação, reconheceu, no entanto, “as
limitações e ineficácia do sistema” e que é necessária “mais agilidade”,
mas pediu uma discussão mais aprofundada, manifestou disponibilidade
para melhorias em sede de especialidade e apresentou a proposta
comunista que prevê que não seja possível aos agressores tomar
conhecimento das moradas das vítimas nas notificações dos tribunais,
classificada como uma boa proposta por Telmo Correia, e Mariana Vieira
da Silva mostrou disponibilidade para acolher, assim como as questões
relacionadas com a proteção e dos menores.Mariana
Silva, dos Verdes, pediu apoios financeiros para as vítimas de
violência doméstica no contexto da atual pandemia de covid-19, para
precaver situações em que as vítimas têm que abandonar as suas casas,
tendo a ministra da Presidência referido que há apoios financeiros
previstos no Orçamento do Estado que assumem a insuficiência económica
das vítimas.O PAN, pela voz da deputada
Inês Sousa Real, que também defendeu o estatuto de vítima para as
crianças, sublinhou a sua proposta de alteração para garantir que o
diploma prevê testemunhos para memória futura, um “mecanismo essencial”
para evitar novas audições das vítimas e uma situação de revitimação,
extensível às crianças, para as quais pediu espaços de audição adaptados
e acompanhamento de técnicos especializados, como psicólogos.