Açoriano Oriental
Foliões roubam o sossego nos "assaltos" de Carnaval na ilha de São Miguel
Fantasiados e munidos de comes e bebes, grupos de foliões "assaltam" por esta altura do ano casas particulares na ilha de São Miguel, numa tradição do Carnaval açoriano que desafia amigos e familiares a "roubar" o sossego de quem os recebe.
Foliões roubam o sossego nos "assaltos" de Carnaval na ilha de São Miguel

Autor: Lusa/AO Online

 

“O que se tem verificado não é a perda desta tradição, mas talvez alguma transformação com a oferta cultural que existe e com a globalização que interferem, diretamente, nas práticas sociais e culturais das pessoas, o que tem feito com que haja uma pequena diferença na forma como estes ‘assaltos’ são promovidos”, afirmou hoje o sociólogo Miguel Brilhante, em declarações à agência Lusa.

Organizados em casas particulares, os “assaltos” de Carnaval constituem uma tradição de longa data na ilha de São Miguel, onde os foliões são desafiados a apropriarem-se de um espaço privado, acedendo ao convite de familiares ou amigos.

“É um conceito que ainda se mantém, até porque as pessoas gostam de se fantasiar e gostam de espaços do seu círculo restrito de amizades para se divertirem nesta época”, explicou Miguel Brilhante, que é também diretor do Coliseu Micaelense de Ponta Delgada, onde decorrem os tradicionais bailes de gala de Carnaval.

Para o sociólogo, esta tradição não tem atualmente tanta dimensão, porque “há mais oferta cultural e animação carnavalesca”, abrangendo “um conceito às vezes até mais comercial”.

“Não se roubava nada a não ser o sossego das pessoas. Era o fator surpresa e também descobrir quem estava por detrás da máscara”, sublinhou Carlos Melo Bento, 76 anos, divulgador da história açoriana.

Carlos Melo Bento lembrou os vários “assaltos” em que participou, o último num salão em 1957, ao som de músicos e de gira-discos, salientando as diferenças entre o passado e os eventos do género que são atualmente organizados.

“O assalto era mesmo um assalto. Escolhia-se uma vítima, uma pessoa que tivesse uma casa e pudesse organizar um baile com comes e bebes. Batia-se à porta, normalmente a horas inconvenientes, e entrava aquela mascarada toda. O proprietário da moradia ficava espantado, mas depois aceitava a brincadeira e a festa durava”, explicou Carlos Melo Bento, advogado.

Melo Bento disse desconhecer a origem desta tradição, mas destacou que os foliões “passavam o ano à espera para se divertirem nestes ‘assaltos’ de Carnaval”.

“Toda a minha vida desde que me conheço ouvi falar nos assaltos em casa deste e daquele, e depois contavam histórias engraçadas dos disfarces”, afirmou.

Além do fator surpresa junto proprietário da casa, o que muitas vezes nem sempre era fácil de conseguir, por haver sempre "um espião" que informava da realização do evento, outros dos desafios era descobrir quem estava por detrás de uma máscara ou fantasia.

“Uns iam de mulher de capote e capelo e eram homens e às vezes ficávamos espantados por pessoas muito sisudas alinharem nestas brincadeiras”, referiu Melo Bento, acrescentando que os “assaltos” chegavam a reunir reuniam entre 50 a 100 pessoas em casas e divisões amplas, essencialmente promovidos pela classe média e classe alta.

Para Melo Bento, apesar de atualmente muitos continuarem a designar por “assaltos” estas festas de Carnaval, o fator surpresa perdeu-se, sendo estas iniciativas organizadas com autorização do proprietário do espaço.

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