Açoriano Oriental
Europa confrontada com regresso à "perigosa ilusão do Estado-nação"
Os movimentos emancipatórios e progressistas na Europa e em outras regiões do mundo estão ameaçados pelo regresso à "perigosa ilusão do Estado-nação", considera o filósofo Srecko Horvat, que participa num debate em Lisboa.
Europa confrontada com regresso à "perigosa ilusão do Estado-nação"

Autor: Lusa/Açoriano Oriental

 Na Europa, nos Estados Unidos, no Mundo árabe, este retrocesso é também o falhanço da esquerda, e exprime-se no Brexit no Reino Unido, no "ilusionismo" do novo Presidente dos EUA, Donald Trump, ou na emergência de fundamentalismos religiosos, assinala Srecko Horvat, 34 anos, nascido na Jugoslávia já após a morte de Tito, e de origem croata.

"Diria que o sucesso de Trump é, em certa medida, o falhanço do movimento 'Occupy Wall Street', semelhante aos 'indignados', os 99% contra 1%. Mas quem a usou? Não foi Bernie Sanders [o candidato de esquerda do Partido Democrático], mas foi precisamente Donald Trump que utilizou a energia e o discurso dos 99%, apresentando-se como um 'anti-establishment', apesar de fazer parte desse mesmo 'establishment'", diz, em declarações à agência Lusa.

Srecko Horvat é o convidado do Ciclo Utopias, no âmbito do tema Arquipélago Comum, que revisita os muitos projetos utópicos alternativos (socialismo, comunismo, anarquismo) que surgiram entre finais do século XIX e início do século XX.

Uma parceria entre o Teatro Maria Matos e o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do seu programa em torno do centenário da Revolução de Outubro de 1917.

Ao afirmar-se "muito cético" sobre o termo populismo de esquerda, assinala que para derrotar os atuais representantes da direita radical europeia, como o britânico Nigel Farage, a francesa Marine Le Pen, e os populismos de direita, será impossível utilizar a mesma estratégia e o mesmo discurso.

"Quando existe um movimento progressista ou uma esquerda radical, a tendência é dizer que 'são todos o mesmo'. Farage é o mesmo, o Podemos [em Espanha] é o mesmo, Mélenchon [candidato de esquerda em França] é o mesmo, e isso é uma forma de neutralizar esses movimentos", sublinha.

Autor de livros que abordam a questão europeia ("What does Europe want", [2014] e "Welcome to the Desert of Post-Socialism" [2015]), fundou, com o antigo ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis, o Movimento Democracia na Europa (DiEM25), uma formação da esquerda pan-europeia.

Na sua abordagem, assinala que o termo populismo se tornou numa "categoria desatualizada" que tem sido usada pelos nacionalistas, defensores do Estado-nação, um recuo que considera uma perigosa ilusão.

"Têm a noção de homogeneidade populacional transferida para os partidos políticos. Penso que é uma noção desatualizada em tempos de capitalismo global", refere.

Ainda numa referência aos movimentos sociais que se afirmaram na Europa na sequência da crise económica, o filósofo croata assinala um regresso à melancolia.

"Existe esse grande entusiasmo, que aumenta, depois tudo parece possível, como se a revolução viesse, e depois, se aprendemos algo da psicanálise, após este grande entusiasmo geralmente surge a melancolia. (...) E depois estas pessoas tornam-se passivas, ou deixam de acreditar na mudança".

Na sua perspetiva, o facto de o partido da esquerda radical grega Syriza não ter conseguido concretizar o que prometeu após conquistar o poder, em 2015, é revelador do atual desencanto.

"Os 'indignados' e os movimentos de ocupação eram movimentos emancipatórios e progressistas, que inventaram a expressão em espanhol 'democracia real'. Democracia direta, democracia horizontal, assembleias gerais, como também sucedeu na Bósnia, foi muito interessante", recorda.

"O que se pode ver com todos estes movimentos é que começaram com um grande entusiasmo (...). Pode não evoluir necessariamente em direção a um partido político, mas se apenas se mantiver ao nível das assembleias gerais... não se podem ocupar praças durante mais que algumas semanas, um mês".

Hoje, deteta na Grécia uma população "completamente desesperada, melancólica", com uma taxa de participação eleitoral muito baixa, "porque o Syriza também as desapontou", sustenta Srecko Horvat, autor de um recente documentário exibido na cadeia televisiva Al-Jazira e intitulado "The Business od Colonisation" (O Negócio da Colonização).

"A ideia de que se chega ao poder num país como a Grécia, apesar de a Grécia representar 3% do PIB da zona euro, não é nada comparado, por exemplo, com Espanha ou Itália, e mesmo que se alcance o poder nesse país, na realidade não têm o poder", adianta, numa referência às ideias que transmitiu no documentário televisivo de duas partes, após ter percorrido diversas capitais europeias.

Na sua deambulação, da Grécia à Hungria, da Roménia a Bruxelas, o autor de "The Radicality of Love" (2015), assegura já não pensar "que aquilo que a teoria política designa por soberania ainda exista atualmente".

Ao abordar o tema da "colonização" no espaço europeu, indica que, no início, Grécia, Portugal ou Espanha serviram de laboratório para medidas de austeridade neo-liberais, com as privatizações em larga escala, incluindo de setores estratégicos, ou a exploração dos recursos naturais.

"Mas o que aconteceu aí está a ter um efeito de 'boomerang' importado em direção ao centro da Europa", frisa.

"Os salários na Alemanha não aumentam há uma década, em França o Presidente François Hollande tentou aplicar uma reforma laboral muito semelhante às aplicadas na periferia, o que designam por flexibilidade e segurança, mas no final é apenas flexibilidade para os despedimentos".

Na sua obra mais recente, interroga-se se existe ainda essa utopia pela qual vale a pena lutar. Mas, defende a necessidade em "reinventar o amor, para fazer regressar a política radical", o tema do seu colóquio esta tarde.

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