Açoriano Oriental
Em Macau, terra de chineses, o maior dador de sangue é português

Em Macau não há ninguém com tantas dádivas de sangue como Paulo Rosa Rodrigues, um português de Angola que anda, há quase três décadas, “simplesmente a retribuir o dom da vida”.

Em Macau, terra de chineses, o maior dador de sangue é português

Autor: AOnline/LUSA

“Não sou campeão de nada”, diz Paulo Rosa Rodrigues, sem conter o sorriso, relativizando de imediato o feito de ser a pessoa com o maior número de dádivas em Macau - 130 ou o equivalente a 58,5 litros -, até porque dar sangue tornou-se um gesto automático.

“Os homens podem dar sangue de três em três meses. Ponho na minha agenda e toca a andar. Até é simples, porque normalmente as minhas secretárias sabem quando é que chega a data”, conta o empresário à agência Lusa.

Paulo Rosa Rodrigues, de 63 anos, começou a dar sangue na sequência de um “desafio” entre amigos, pouco tempo depois da abertura, em fevereiro de 1988, do Centro de Transfusões de Sangue de Macau, que funciona sob alçada dos Serviços de Saúde.

“Éramos três ou quatro e fomos todos dar sangue de uma assentada”, recorda Paulo Rosa Rodrigues, que ‘aterrou’ em Macau há 37 anos e que vivera até então sempre em Angola à exceção de uma breve passagem, ainda durante a adolescência, por Portugal, e pela então República Federal da Alemanha para estudos superiores.

Com o cartão de dador número 42, Paulo Rosa Rodrigues recorda o que sucedia antes de existir o banco de sangue: “Quando havia um desastre pediam às pessoas, através da rádio, para irem doar”.

Continuar a dar sangue foi um processo natural. “Se o ‘Cara’ lá de cima me dá boa saúde por que não dar possibilidade a outros de viverem”, questiona.

A regularidade faz, aliás, com que o banco de sangue lhe faça perguntas, nomeadamente sobre a sua rotina e dieta. “É óbvio que nós [ocidentais] comemos muito mais carne e vermelha e isso ajuda muito”, diz, referindo-se aos níveis de ferritina – uma proteína que reflete a quantidade de ferro do corpo – que os orientais têm mais dificuldade em manter.

“Ao longo das minhas doações também tive uma vez [baixa ferritina] e tive de parar seis meses para recuperar”, recorda, dando conta de uma outra interrupção quando foi “mais ou menos cobaia” da técnica de aférese, um método através do qual se separa o sangue nos seus componentes (plasma, plaquetas ou glóbulos vermelhos) à medida que é colhido.

“Não é uma coisa de brincadeira, normalmente só pessoas ‘batidas’ a dar sangue fazem isso”, adverte, descrevendo o processo que pode durar até 90 minutos.

O tipo de sangue Paulo Rosa Rodrigues é A+, um grupo menos comum em Macau, onde o predominante é O+. Os negativos são os mais raros: cada um dos grupos sanguíneos (A-; O-; B- e AB-) tem uma percentagem inferior a 1%, segundo dados dos Serviços de Saúde facultados à agência Lusa.

Os dadores frequentes são contactados aquando da realização de eventos especiais: “Na altura do Grande Prémio de Macau, por exemplo, como vêm muitos ocidentais correr, eles perguntam se estamos por aqui”.

Embora relativize o feito de estar prestes a completar 30 anos de dádivas, Paulo Rosa Rodrigues deixa transparecer brio quando partilha, quase num fôlego só, histórias com “pormenores engraçados e gratificantes de como a população anónima o reconhece e acarinha”.

O casal de chineses da loja de ferragens que o cumprimenta quando o vê passar ou a refeição entretanto paga por uma idosa desconhecida após ter anunciado publicamente num restaurante quem era, figuram entre os sinais de quem identificou o ‘gweilo’ [expressão em cantonense comummente utilizada para designar ocidentais] que aparece na televisão e nos jornais, nomeadamente na cerimónia de reconhecimento de dadores de sangue, organizada anualmente pelos Serviços de Saúde.

Quase no fim da conversa, Paulo Rosa Rodrigues, lá confessa: “Tenho que ser honesto em dizer que dá-me gozo que tenham de engolir que é um português” o maior dador de sangue de Macau.

“Deve custar um bocado a alguns dirigentes locais”, graceja.

A população de ascendência chinesa em Macau representa 88,7%, enquanto a de portuguesa constitui 1,8%, segundo os Intercensos de 2016.


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