Açoriano Oriental
Covid-19: “Estávamos formatados no modo de agir e encarar o perigo olhos nos olhos” diz Vítor Trindade

Em entrevista ao Açoriano Oriental, o Comandante dos Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo, Vítor Trindade, adianta que “O Covid-19 teve um efeito nefasto na nossa atuação pois estávamos formatados no modo de agir e encarar o perigo olhos nos olhos (…) Neste momento, devido à invisibilidade deste inimigo cobarde e traiçoeiro temos de ser mais contidos nas ações usadas nesta batalha diária”.




Autor: Tatiana Ourique / AO Online

Açoriano Oriental - Qual é a caracterização do Corpo de Bombeiros de Angra do Heroísmo?

Vítor Trindade - O CB de Angra do Heroísmo é assente na tipologia 2: composto pelo quartel de Angra do Heroísmo e uma secção destacada num segundo quartel situado na freguesia dos Altares. Ambos os quartéis asseguram o socorro pré-hospitalar, com 2 ambulâncias ao serviço 24 horas por dia.

              A existência da secção destacada prende-se com o facto de nos pertencer a maior área geográfica de concelho e temos sob nossa tutela a segunda maior densidade populacional do arquipélago o que permite um serviço mais célere e uma proximidade mais eficaz.

              Nas nossas fileiras contamos – entre comando, bombeiros assalariados, voluntários e funcionários civis- com 74 elementos. Contaremos em breve com 12 novos recrutas que devido à Covid-19 ainda não terminaram a formação para qualificarem como operacionais no terreno. Da nossa frota de transporte de doentes constam 6 ambulâncias de socorro pré-hospitalar e 4 de transporte de doentes não urgentes. Dispomos ainda de 1 viatura de comando tático, 3 veículos ligeiros de apoio, 2 autotanques pesados, 3 pronto socorro médio (sendo um deles vocacionado para acesso de dimensões limitadas), 1 autossapador e 1 mota de água. Todos os veículos dispõem dos equipamentos adequados para as mais variadas situações de emergência.

              No que toca a formação atual os Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo dão agora os primeiros passos no sentido de formar uma equipa de resgate subaquático.

AO – Como é o dia-a-dia do Corpo de Bombeiros de Angra do Heroísmo?

V.T.- Os últimos meses desta corporação decorriam com sonhos e projetos num normal ambiente de trabalho e dedicação profissional (se bem que o dia a dia de um bombeiro nunca é propriamente “normal” pois são poucos os escritórios onde pelo telefone entram diariamente fumo, fogo, dor e sofrimento… E todos os telefonemas são encarados e aceites de forma exemplar e sem olhar a quem).

              Todas estas contrariedades só são ultrapassadas com profissionalismo, sacrifício pessoal e familiar, uma grande união de grupo e formação intensiva.

AO- O que mudou com a Covid-19?

V.T.- O Covid-19 teve um efeito nefasto na nossa atuação pois estávamos formatados no modo de agir e encarar o perigo “Olhos nos olhos” e manusear as soluções de modo rápido e eficaz. Neste momento, devido à invisibilidade deste inimigo cobarde e traiçoeiro temos de ser mais contidos nas ações usadas nesta batalha diária.

              Esta nova realidade de clausura retirou-nos uma parte da nossa personalidade e identidade pautada pelo contato direto e de proximidade social.

AO - Em que assenta o plano de contingência dos Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo?

V.T- O nosso plano de contingência foi baseado no intuito de continuarmos a poder servir e socorrer a população e também proteger o grupo de elementos que estaria na linha da frente e sem riscos de contágio. Inicialmente protocolámos a “blindagem” das nossas instalações e serviços de atendimento direto ao público de modo a minimizar as hipóteses de contágio aos nossos operacionais. Continuámos a dar apoio e a funcionar via telefone e demais suportes digitais. Atendendo às particularidades dos transportes de Covid-19, montámos um conjunto de medidas de segurança e desinfeção de meios, instalações e pessoal que é ativado a partir de uma chamada telefónica da linha de emergência médica. Após o contacto damos início ao protocolo de transporte e encaminhamento das equipas de enfermeiros até ao local onde serão efetuadas as diligências necessárias. No final a equipa regressa ao quartel onde a espera uma zona exterior de receção e desinfeção das viaturas e desequipagem dos tripulantes que posteriormente seguem um circuito interno para a zona de desinfeção e higiene pessoal disponibilizada para esse fim.

AO- Quais são os procedimentos específicos de transporte de um caso suspeito de Covid-19?

V.T- No transporte e abordagem a vítimas e suspeitos de infeção pelo novo Coronavírus são adotadas as normas e diretivas de segurança emanadas pelo INEM, Serviço Nacional de Saúde, Direção Regional de Saúde e SRPCBA. Devo salientar que estes procedimentos de proteção e atuação são dinâmicos e já foram sofrendo alterações tanto nos meios como nos equipamentos mediante as alterações de perceção relativamente ao vírus.

AO- Quantos bombeiros estão envolvidos nestas operações Covid-19?

V.T.- Nesta fase tanto os transportes como as recolhas de testes Covid-19 são realizados durante o “horário de expediente” o que faz com que seja sempre uma equipa específica de bombeiros assalariados e com a devida formação, uma vez os voluntários só iniciam a atividade a partir das 21h. Para já os funcionários dos transportes não urgentes não fazem parte do protocolo Covid-19 o que permite manter uma bolsa de pessoal em condições de maior segurança em relação à pandemia e, deste modo, prevenir e proteger os doentes não urgentes que se encontrem mais debilitados. A bolsa de funcionários também permite a gestão de dar folga ou eventualmente substituir colegas que tenham que estar nas operações Covid-19.

AO- O corpo de bombeiros disponível na corporação é suficiente nesta fase?

V.T- O nosso plano de contingência foi elaborado de modo a evoluir com o Covid-19 e o contexto social. Por agora o pessoal disponível possibilita assegurar todas as escalas anteriormente existentes à exceção dos retornos não hospitalares após as 21h. Há muito tempo que defendemos que este tipo de transportes após o encerramento do serviço de hemodiálise não faz qualquer sentido por exigir mover pessoas debilitadas e muitas vezes de idade avançada que se encontram em ambiente controlado, são levantadas de madrugada e expostas a ambientes inóspitos durante o referido transporte. As restantes ocorrências são tratadas numa lógica de “Há vida para além da Covid-19”. Infelizmente essa vida abriga ainda os transportes de emergência, incêndios, acidentes rodoviários entre muitas outras ocorrências.

Resumidamente: se o vírus não tiver uma evolução drástica teremos meios técnicos e humanos para fazer frente à situação atual.

              Terei, ainda, de referir que temos sido alvo das mais variadas demonstrações de apreço e apoio por parte de entidades e pessoas que nos dão conforto e ânimo diariamente.

AO – Atualmente qual é a maior dificuldade nesta batalha?

V.T.- Verificámos de um modo impotente a violência dos números de vítimas e constatar que uma grande parte da população continua a deambular pelas ruas sem respeito por si, pela sua família e pela família dos outros, nomeadamente dos profissionais que têm que andar na rua.

AO- Como avalia a disponibilização atual de equipamento nos Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo?

V.T- É, de facto, uma das questões com que mais me confrontam e a que mais me preocupa é precisamente a falta de material de proteção individual e material de limpeza e desinfeção.

É com alegria que posso declarar que até à data nunca nos faltou material de proteção e de desinfeção. É importante referir o contributo do SRPCBA, da Unidade de Saúde da Ilha Terceira e do Município de Angra do Heroísmo através do serviço municipal de Proteção Civil, nossos parceiros diários.

Uma das mensagens que o comando tenta passar aos nossos camaradas que têm de contactar com pacientes infetados é que se cumprirem o protocolo de segurança a possibilidade de infeção em contexto profissional é quase nula. Do mesmo modo que apelámos à máxima atenção fora do contexto profissional por qualquer distração pode ser fatal e este inimigo invisível está sempre atento.

Não queria terminar sem enaltecer e manifestar publicamente o orgulho que tenho pelo profissionalismo, disponibilidade e esforço hercúleo dos homens e mulheres que servem este corpo de bombeiros. Também para as suas famílias, vítimas silenciosas das suas muitas ausências, o meu obrigado e respeito em nome de todos os que entendem e honram o lema “Vida por Vida”.


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