Açoriano Oriental
Praia da Vitória é o concelho português onde o desemprego mais cresceu nos últimos dois anos
Paula Medeiros trabalhou durante décadas em casas de norte-americanos enviados para as Lajes, mas hoje está desempregada, contribuindo para a estatística que faz da Praia da Vitória o concelho português onde o desemprego mais cresceu nos últimos dois anos.
Praia da Vitória é o concelho português onde o desemprego mais cresceu nos últimos dois anos

Autor: LUSA/AO Online

Com 47 anos, vive na Serra de Santiago, tal como, umas ruas mais abaixo, Manuela Resendes, de 57, que lembra que aquele já foi um bairro "de barracas" onde açorianos de outras ilhas, como os seus pais, se instalaram para irem trabalhar para os americanos, que a partir da década de 1940 começaram a usar a base militar das Lajes, na Terceira. Do outro lado da estrada, nas imediações da base, vedados com um gradeamento verde, estão os bairros de casas de estilo americano que os Estados Unidos da América (EUA) foram construindo, para alojar os seus militares e respetivas famílias. São centenas de casas que estão hoje vazias, assim como os relvados que as envolvem e os vários parques infantis que se avistam da estrada. Eram o local de trabalho de muitas das mulheres da Serra de Santiago, que faziam limpezas e eram as 'baby-sitters’ das crianças. Paula Medeiros passou quase 30 anos a tomar conta de crianças dos militares, cujas fotografias tem em cima da lareira da sala. Com a ajuda das filhas adolescentes, vai vendo e falando com as crianças e as famílias através do 'skype'. Os "americanos davam tudo" e "as crianças eram como da gente", frequentavam as casas um dos outros, vai contando, "muito desanimada" pela falta de trabalho. Este é um exemplo dos mil postos de trabalho que o presidente da Câmara da Praia da Vitória, Roberto Monteiro (PS), diz que foram destruídos nos últimos dois anos no concelho, fazendo passar a taxa de desemprego de 10% para 20%, a maior subida do país no mesmo período. Para o autarca, este crescimento do desemprego está associado ao desinvestimento dos norte-americanos nas Lajes. Não se cansa de dizer que, nos últimos dois anos, os EUA cumpriram à risca o plano que anunciaram em 2012 e que culminará com a redução, no outono, de 500 efetivos que têm nos Açores e o despedimento de 500 trabalhadores. Há muito que militares chegam aos Açores sem famílias. Os homens, sozinhos, ficam dentro da base, em camaratas, e houve toda uma cadeia que se ressentiu. "Uma parte substancial [deste trabalho indireto] sempre funcionou, há 60 anos, como economia paralela, as 'baby-sitters' ou senhoras de limpeza ou os jardineiros dos americanos foram sempre uma microeconomia paralela gerada [em torno dos militares]. Quando é que se deu por essas pessoas todas? Foi quando entraram no sistema da Segurança Social durante estes últimos dois anos", afirma. O autarca fala ainda na restauração, em mecânicos de carros ou nos despedimentos na construção civil, depois de os americanos terem fechado as casas em que viviam os militares e deixado de fazer manutenções "brutais" em centenas de apartamentos que passaram a ter como destino provável a demolição. "Estamos agora, no fundo, perante a fase final. E a fase final foi sempre esta, despedir os trabalhadores diretos", sublinha, estimando que outros mil postos de trabalho sejam destruídos no concelho. Por isso, para Roberto Monteiro, mesmo que tivesse sido travada a saída de 500 militares e civis norte-americanos das Lajes e o despedimento de 500 portugueses, deveria ter sido acionado logo em 2012 um plano de revitalização da economia local. "Isto está morto", confirma Paulo Medeiros, 47 anos, marido de Paula e proprietário do Café Medeiros, a poucos passos da casa do casal. A estrada que contorna a base e os bairros americanos já teve movimento constante, mas hoje passa um carro de vez em quando. O negócio do café, que servia muitos "pratos do dia" a quem trabalhava para os americanos ou a quem ia ali prestar-lhes serviços, caiu 50% nos últimos dois anos e com a mulher sem trabalho e duas filhas já foi preciso ir mexer em poupanças que estão a acabar. "Num café ouve-se de tudo" e Paulo Medeiros assegura que há por ali "gente a passar necessidade", uma "necessidade envergonhada". Num relance rápido ao longo da rua do café, pelas casas do bairro, aponta sete casos de homens que emigraram nos últimos meses. Foi isso que fez um dos filhos de Manuela Resendes, quando há um ano foi para a América do Norte. Manuela começou a trabalhar nas casas dos americanos com 15 anos e ainda consegue um ou outro cliente, mas agora militares "solteiros", que se preocupam menos com o estado da casa. A sua família e a sua história são um espelho do que significa a base para a Serra de Santiago e a Praia da Vitória. Os pais vieram de São Miguel à procura de trabalho com os americanos, ela própria trabalhou com eles. Duas das suas filhas e um genro trabalham na base. Uma das irmãs casou com um militar destacado para as Lajes e vive hoje nos Estados Unidos. A "barraca" que era dos pais transformou-se numa casa equipada com eletrodomésticos americanos comprados na base e construída com o esforço do seu trabalho e do marido, que se dedica à agricultura, e com alguma ajuda dos americanos, que lhe ofereceram materiais e "só não davam as suas casas porque não eram deles". Aos 57 anos, sabe que não terá direito a reforma ou subsídio de desemprego, por falta de descontos. Amealhou o que pôde, a pensar no futuro. Para Manuela, há sempre um futuro: "Eu tenho 57 anos, mas se for preciso meto-me por aí fora".

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