Autor: Rui Jorge Cabral
O que tem de especial o Rally da Finlândia, que já o fez lá ir duas vezes?
Assistir
ao vivo ao Rally da Finlândia - o mítico “1000 Lagos” - é o sonho de
todos os verdadeiros amantes dos ralis. A etapa finlandesa é, sem
dúvida, a mais carismática e prestigiada do WRC. Apelidada de ‘Grande
Prémio de Jyväskylä’, é conhecida pelos seus troços em bom piso e muito
rápidos, numerosos saltos e lombas cegas. As velocidades médias
ultrapassam facilmente os 100 km/h com Ott Tanak, este ano, a cumprir as
23 provas de classificação a uma média de 123 km/h. Ingredientes de
sobra para atrair os mais “fanáticos” pelas emoções fortes
proporcionadas pelos ralis. Escusado será dizer que o Rally da Finlândia
foi, durante muitos anos, um feudo reservado a finlandeses e suecos,
até o espanhol Carlos Sainz quebrar a hegemonia em 1990, quando levou o
Toyota Celica ST165 à vitória. Stig Blomqvist, Juha Kankkunen (vencedor
do Azores Rallye de 2001), Markko Martin (vencedor nos Açores em 2000) e
Kris Meeke (vencedor em 2009) são nomes que constam na lista de
vencedores do maior evento realizado nos países nórdicos e conhecidos do
público açoriano adepto da modalidade.
Qual é a logística de uma deslocação a este rali?
A
deslocação a um rali que se desenrola a cerca de 4400 km dos Açores
implica sempre um planeamento prévio. Assim que a F.I.A (Federação
Internacional do Automóvel) dá a conhecer o calendário para o ano
seguinte, é necessário reservar passagens aéreas, alojamento e carro de
aluguer. Tudo realizado a partir de casa e através do computador. No
caso do alojamento, tenho optado por uma pequena localidade situada a
cerca de 25 km a sul da cidade de Jyväskylä (centro nevrálgico da prova)
e muito central em relação à maioria das classificativas. A escolha dos
troços a assistir e respetivas zonas é uma tarefa morosa e só possível
graças às novas tecnologias. Cruzar informação, marcar os trajetos nos
mapas digitais e preparar um “plano B” para o caso de uma ou mais
especiais canceladas, é essencial, sem esquecer os limites de velocidade
muito restritos nas estradas finlandesas. Para os menos destemidos há a
possibilidade de optar pela excursão realizada pela organização da
prova ou até mesmo requisitar o serviço de helicópteros para uma
deslocação mais rápida.
Como descreve os adeptos finlandeses e como eles veem o rali, por comparação com os portugueses?
Com
uma cultura muito própria, os finlandeses são pouco ou nada efusivos ao
assistir à sua prova. Deslocam-se muito cedo para os troços, a maioria
munida de cadeira e rádio, não faltando por vezes um escadote para um
melhor campo de visão, enquanto os mais novos não dispensam proteção
auditiva e uma pequena bandeira para acenar. Só se fizeram notar ao
aplaudir as passagens de Kalle Rovanperä (o finlandês voador da mais
recente geração) e Sami Pajari, o novo “protegido” da A.K.K.(Federação
Finlandesa de Automobilismo). Uma postura em total contraste com alguns
adeptos oriundos do lado do Báltico, do sul e centro da Europa,
encarregues de fazer a “festa” com algum (muito) álcool à mistura...
Por
comparação com o Azores Rallye ou com o Rally de Portugal, onde acha
que temos a aprender com a Finlândia e onde acha que eles podem aprender
connosco?
No meu “currículo” constam cinco edições do Rally de
Portugal - a última em 2017. Comparar as duas provas, inseridas no mesmo
campeonato mas com culturas antagónicas, não é um exercício “justo”. A
preocupação com o bem-estar do espectador é uma constante na prova
finlandesa. Para efeito, são delineados quilómetros de trilhos nas
florestas de forma a encaminhar os adeptos nos troços, entrega de mapas
para uma melhor localização e existência de parques de estacionamento
onde estão definidas zonas para viaturas ligeiras, autocaravanas e
motociclos. Tudo de forma rigorosa de maneira a possibilitar a saída em
qualquer altura sem dificuldade. O acesso às classificativas e ao parque
de assistência dá-se com o recurso ao “Rally Pass” ou adquirindo
bilhete para o efeito, tudo controlado por comissários de estrada e
seguranças com muitos anos de experiência e denotando uma postura sempre
cordial.
Uma nota também para as zonas designadas de “Rally
Arenas”. Da responsabilidade dos patrocinadores da prova são dotadas de
restaurantes, entretenimentos vários, WC e ecrãs panorâmicos. No parque
de assistência, saltam à vista as iniciativas a pensar nos mais novos,
quer por parte das equipas oficiais quer pela organização, não faltando
uma pequena pista de karting improvisada a pensar nos futuros campeões
finlandeses.
Dos muitos pilotos que viu passar no WRC e campeonatos locais, quem ou que carros o impressionaram mais e porquê?
Os
atuais “World Rally Cars” estão em um patamar de eficácia a roçar o
limite. Motorizações a rondar os 400 cv, 1200 kg de peso e todo o
conjunto aerodinâmico são argumentos de peso que garantem andamentos
espetaculares nos rapidíssimos troços nórdicos. Ott Tanak é, de momento,
o alvo a abater no WRC. O piloto da Toyota revelou-se, tal como no ano
passado, muito à vontade na Finlândia faltando apenas à marca nipónica a
tripla no pódio, já que na Finlândia estão a correr em casa. Não
pontuando para o campeonato finlandês, a prova contou novamente com o
Troféu Vetomies - designação para pilotos bravos que não hesitam nas
curvas - competição aberta a locais e a forasteiros. A maioria das
viaturas são de tração traseira e englobadas no Gr.F, com potentes BMW
M3, Toyotas Starlet “vitaminados”, Volvos 240 entre outros. De registar o
elevado número de inscritos (100 equipas), os andamentos vivos e o
estado irrepreensível de apresentação das viaturas.
Tem histórias engraçadas que tenha presenciado nos troços da Finlândia e que queira aqui partilhar?
Ainda
antes do rali, fui surpreendido na “rent-a-car”, no aeroporto de
Vantaa, com a necessidade de assinar um documento em que me comprometia a
não usar a viatura nos reconhecimentos e/ou na prova propriamente
dita... De resto, como em outros ralis, situações caricatas e curiosas
são sempre uma constante: desde ver um autocarro puxar um atrelado com a
estrutura de uma sauna e um indivíduo a circular na periferia do
traçado da Super Especial com um cartaz pendurado ao pescoço, onde se
podia ler “Acredite em Deus e não em ralis”. Outros episódios não são
propriamente caricatos, mas são reveladores da mentalidade e seriedade
do povo “Suomen”. No ano passado, ao sair do troço de “Kakaristo” e a
caminho da viatura, uma nota de 5 euros, ao tirar o telemóvel da
algibeira, caiu inadvertidamente. Prontamente, dois finlandeses fizeram
questão de me alertar para o sucedido. Este ano, tive um episódio
semelhante com uma das moças do “merchandising” da Neste, principal
patrocinador do evento, a correr parte do parque da assistência para me
entregar o troco deixado atrás. A bandeira açoriana despertou, tal como
em 2018, a curiosidade de vários adeptos e elementos da organização.
Desde a confusão com a bandeira da República de San Marino, passando
pela estupefação com a existência de ilhas no meio do Atlântico Norte e a
surpresa pela distância a que me encontrava de casa. Apenas um
espectador, um fotógrafo amador belga, associou a bandeira ao “nosso”
Azores Rallye.
Foi ver o rali, mas foi também turista na
Finlândia... Acha que os ralis são, de facto, uma forma de promover o
turismo e de chamar pessoas a um território?
A Finlândia não é
propriamente um destino turístico. As características da prova nórdica
são um chamariz para milhares de forasteiros adeptos da modalidade que
emprestam um colorido diferente à zona central da Finlândia durante
quatro dias. No meu caso, fiquei “cliente” do evento, da gastronomia
rústica e de toda a beleza natural do país. Acredito que os ralis não
deixam de ser um fenómeno promotor do turismo de uma região, mas sou
cético em relação à ordem de grandeza dos números dados a conhecer pelos
estudos de impacto económico de certos ralis.