Açoriano Oriental
Açores enfrentam vários desafios económicos
Responsáveis da agricutura, pescas, turismo, comércio e indústria falaram às “100 Maiores” dos desafios que se colocam a uma região insular, arquipelágica e ultraperiférica, e por conseguinte das alterações que devem ser introduzidas para se garantir o desenvolvimento sustentado da economia açoriana. Transportes, formação e investimento público são capitais
Açores enfrentam vários desafios económicos

Autor: Pedro Nunes Lagarto
A reformulação do modelo de transporte aéreo, a formação profissional adequada às necessidades do mercado e a afectação de investimento público para a economia reprodutiva são prioritários para o desenvolvimento sustentado dos Açores.

As "100 Maiores" ouviram responsáveis de diversos sectores de actividade sobre as medidas a tomar num cenário pós-crise e tendentes a dinamizar a economia açoriana num mundo cada vez mais competitivo e global.

Diferentes protagonistas interpretam a realidade actual e as necessidades futuras consoante a sua percepção e área de actividade, porém convergindo em determinadas linhas mestras, tais como a necessidade de se tornar mais competitivo o transporte aéreo de e para Região Autónoma, de reformular a formação profissional numa perspectiva de maior adequação às necessidades do mercado e não de mero pró-forma, e ainda de canalizar o investimento público para a dinamização e consolidação do tecido empresarial regional.

Aproveitar fundos para a agricultura

No campo da agropecuária são diversas as alterações que a Federação Agrícola considera necessárias implementar numa perspectiva de médio prazo.

Segundo o dirigente federativo Jorge Rita, nos próximos anos, para que o sector tenha sustentabilidade, há que "aproveitar bem" as verbas disponíveis nos orçamentos regionais e fundos comunitários, com vista a apoiar projectos de investimento e criar infra-estruturas a nível dos caminhos de penetração, abastecimento de água e electricidade nas explorações, o que "tem sido feito, mas ainda de modo insuficiente".

Jorge Rita entende também que se deve aprofundar a política de emparcelamento e continuar a reestruturar o sector no sentido de criar explorações maiores e mais modernas, prosseguindo com o resgate leiteiro e, portanto, substituindo a lógica de subsistência pela lógica empresarial.

"Objectivo primordial - prossegue - é o de produzir com qualidade pois não temos dimensão para apostar na quantidade, e ainda aproveitar a palavra mágica que é a "Marca Açores" para vender os nosso produtos na Região e no exterior".

Rita entende igualmente que "a indústria deve valorizar a "Marca Açores", pagar mais pela qualidade e não aproveitar a produção de leite para marcas brancas".

Também a política de transportes inter-ilhas e para o exterior "terá de melhorar de forma substancial" para garantir o escoamento atempado de produtos regionais perecíveis, salienta, acrescentando que a nível da formação profissional as acções da Secretaria Regional da Agricultura e Florestas têm hoje uma "adesão fraca", ao passo que as veiculadas pelas organizações de produtores "registam enorme procura", ou seja, preconiza, devem ser canalizados mais fundos para "as organizações que de facto proporcionam formação que tenha em conta a realidade e as necessidades dos agricultores".

Garantir jurisdição dos mares

Para a Federação das Pescas dos Açores, quatro aspectos serão essenciais salvaguardar no futuro: a jurisdição marítima, a tecnologia, a formação profissional e a investigação.

No que se refere à jurisdição, o dirigente federativo Liberato Fernandes observa que há princípios básicos que foram em primeira instância uma luta dos pescadores e depois incorporados pelo Governo Regional, como a defesa das 200 milhas na Zona Económica Exclusiva, que deverão manter-se.

"É crucial para as frotas regionais dos Açores, Madeira e Canárias o acesso exclusivo às águas dentro das 200 milhas", enfatiza.

Ademais, no âmbito do prolongamento, já reivindicado por Portugal, da jurisdição até às 350 milhas da Zona Económica Exclusiva sobre os fundos marinhos, Liberato Fernandes considera igualmente necessário defender o direito à coluna de água, isto é, colocar sob os Estados quer o direito quer o dever de gestão e fiscalização das chamadas "zonas de ninguém " ou "zonas de mar alto".

No campo tecnológico, entende que a Pesca deve utilizar as novas ferramentas para garantir maior rentabilidade através da selecção, evitando a morte dos juvenis e a pesca acessória. Não se trata, portanto, de utilizar a tecnologia para garantir maiores quantidades de pescado delapidando os recursos, que hoje, como se sabe, são limitados, mas de assegurar maiores ganhos através de artes e tecnologias selectivas.

Em terceiro lugar, Liberato Fernandes preconiza que as pescarias de futuro, devido à utilização crescente da tecnologia, irão libertar activos. E isto coloca um grande desafio ao poder: o que fazer aos activos da pesca? Na sua opinião, esses activos deverão ser canalizados para as novas actividades ligadas à economia do mar.

"Há que dar prioridade à formação profissional, sobretudo dos jovens, para a actividade marítimo-turística, a pesca-turismo, entre outras", afirma, para exemplificar: "hoje, os rapazes e raparigas que andam na marítimo-turística são oriundos dos cursos universitários de biologia, ou estrangeiros, quando estes lugares podiam ser preenchidos pelos nossos pescadores desde que formados para o efeito".

O dirigente federativo considera que o actual modelo formativo, que representa um investimento de centenas de milhares de euros, "apresenta uma função essencialmente formal, de legalização da cédula, que falha na construção de uma nova mentalidade nas pescas.

"Nos Açores, entre 60 e 70 por cento dos armadores são simultaneamente empresários e excelentes pescadores, mas não têm uma cultura empresarial, sendo pouco capazes de fazer uma gestão administrativa. Ora, a formação futura deve inverter esse insucesso, essa carência de base da actual política formativa", acrescenta.

Por último, Liberato Fernandes entende que os Açores não podem ficar à margem da investigação e exploração dos fundos marinhos.

"Enquanto há 50 anos pensar no mar era sinónimo de marinha comercial e pesca, hoje há uma fonte inesgotável de possibilidades de desenvolvimento na economia do mar, como por exemplo a exploração dos fundos marinhos", termina.

Investir nas empresas regionais

A nível do comércio e indústria, cujo organismo representativo, a Câmara do Comércio e Indústria dos Açores, fez recentemente uma análise do estado da economia regional, identificando as principais dificuldades conjunturais, e sobretudo as grandes oportunidades de desenvolvimento estrutural, defende que deve ser garantida uma "mobilidade competitiva, efectiva e sustentável" nos transportes aéreo e marítimo de passageiros, bem como deve ser separado o modelo económico do modelo social.

No que respeita à mobilidade de mercadorias, a mesma entidade preconiza que se deve afinar o modelo logístico, a gestão portuária e, no caso da mobilidade da informação, conferir maior atenção às telecomunicações (coberturas e infra-estruturas de cabo de fibra óptica).

Salienta igualmente a necessidade de um esforço credível e continuado de consolidação orçamental baseado no controlo da despesa pública, de contenção e reorientação da despesa pública corrente. Por outro lado, considera que a despesa de investimento deve ser reorientada para bens e serviços públicos "com impacto significativo na qualidade de vida dos cidadãos e na competitividade das empresas".

Por último, a Câmara do Comércio e indústria dos Açores advoga que se optimize as regras de contratação pública, favorecendo as empresas e os fornecimentos regionais com base em critérios e preços de referência mais adequados, por forma a proteger os empresários e a mão-de-obra local.

Definir papel da SATA

Na indústria do turismo importa rever, na óptica do empresário Luís Cogumbreiro, quatro questões fundamentais, a saber: o transporte aéreo, mercados emissores, promoção do destino e oferta.

Em relação ao primeiro ponto, Luís Cogumbreiro considera que é preciso definir o papel da SATA.

"Temos uma transportadora que constitui um trunfo que pode estar ao serviço do destino Açores. Porém, até hoje a SATA é uma companhia que se rege essencialmente por critérios economicistas. Mas como é detida a 100% pela Região Autónoma, cabe ao Governo Regional decidir, de uma vez por todas, se quer que a transportadora ajude na promoção do destino Açores, ainda que essa opção possa reflectir-se nas contas da empresa durante os primeiros tempos", diz.

Em segundo lugar, defende que deve haver também uma "definição clara" dos mercados emissores da Europa, dos Estados Unidos da América e do Canadá e a garantia de voos, e que pelo menos a SATA assegure essas ligações, "o que tem feito", ressalva.

Nesse capítulo, considera que a Região Autónoma "nunca mais poderá voltar a depender de um só mercado e grupo de operadores turísticos (Escandinávia)".

Em matéria de promoção, Luís Cogumbreiro reitera que cumpre igualmente esclarecer a função da Associação de Turismo dos Açores (ATA). "Hoje, a promoção turística dos Açores é feita pelo governo e câmaras, privados e por associações público-privadas como a ATA. Mas tendo em conta episódios recentes, e ainda as novas atribuições acometidas àquela associação, importa definir o que deve fazer exactamente a ATA", defende.

Em matéria de requalificação da oferta, o empresário observa que os Açores têm evoluído na hotelaria e restauração, todavia adverte que "não temos hotéis de 5 estrelas nem restaurantes de muito boa qualidade (com cozinheiro ou chef executivo com estrela Michelin), ou seja, não podemos continuar a vender o destino Açores no exterior com estas faltas".

Cogumbreiro advoga também que os guias turísticos devam ter formação na área, "pois, infelizmente, ainda não existem em número suficiente" e ainda que "se crie uma maior consciência turística junto dos açorianos, por exemplo, que não se continue a poluir a orla costeira ou a paisagem, ou que se dê primazia aos produtos estrangeiros nos nossos próprios restaurantes e a bordo da SATA, algo incompreensível".

Para Luís Cogumbreiro, após 1996 o Governo Regional (PS) inverteu o modelo de desenvolvimento da economia que vinha de trás (PSD) ao apostar no Turismo, e "ainda que não esteja tudo bem, que falte afinar estratégias", os Açores "têm no turismo uma das suas possibilidades de desenvolvimento, o que, aliás, não colide com os outros sectores de actividade, pois os turistas que nos visitam comem a nossa carne, queijo e peixe, bebem o nosso leite e vinho".
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