Açoriano Oriental
Os Açores depois da crise
Portugal chegou à situação em que está por ter assumido uma postura demasiado
agressiva de recurso aos mercados para financiar projectos e políticas públicas que
não surtiram nem surtirão efeitos reprodutivos
Os Açores depois da crise

Autor: Mário Fortuna
Os Açores, tal como Portugal, passaram por transformações profundas e rápidas nas últimas décadas, referenciadas pela revolução de 1974 e pela adesão à CEE, agora União Europeia.

Estas transformações acontecem num contexto geral em que a tecnologia, a economia e mesmo a sociedade mudam a ritmos muito acelerados. Foi assim o caminho que nos trouxe à aparente prosperidade do final do século passado e do primeiro terço da primeira década deste século. Será assim, a um ritmo acelerado, que teremos de nos ajustar para tomar em linha de conta os problemas com que agora se confrontam a economia e a sociedade portuguesas.

Estando estes problemas centrados numa despesa pública excessiva e na falta de competitividade de muitas actividades que compõem a economia portuguesa, os ajustamentos terão de ser feitos nestas vertentes.

Segundo notícia do DN de 25 de Outubro, "Portugal teve o terceiro menor crescimento económico do mundo na última década (6,47%), ganhando apenas à Itália (2,43%) e ao Haiti (-2,39%), numa lista de 180 países …, com base em dados do FMI". Ainda segundo a notícia, o problema está na armadilha de um círculo vicioso da economia que muitos economistas atribuem à ausência de uma política fiscal restritiva, com controlo das contas públicas e redução do endividamento. A falta de competitividade e a rigidez dos mercados destes países explicam a manutenção, por períodos muito longos, de taxas de crescimento muito débeis, próximas de zero.

Portugal chegou à situação em que está por ter assumido uma postura demasiado agressiva de recurso aos mercados para financiar projectos e políticas públicas que não surtiram nem surtirão efeitos reprodutivos, em tempo útil. Investiu-se demasiado em projectos sem retorno a prazo aceitável, e na produção excessiva de bens não transaccionáveis. Por isso perdeu-se capacidade de competir, com todas as implicações que daí advêm.

Sair desta armadilha passa por restringir, de facto, a despesa pública, demasiadas vezes de custos superiores aos benefícios gerados, e reduzir os salários reais já que não é possível, no curto prazo, aumentar a produtividade na medida necessária.

A redução significativa da despesa pública passa por minguar os orçamentos, seja por via de menores despesas de investimento ou por via de menores despesas correntes, ou ambas. A redução de salários na função pública é, entre outras, uma medida drástica que expressa bem o grau dos ajustamentos necessários.

Se a redução da despesa pública é necessária, não é menor a necessidade de reduzir custos de produção para as empresas. Só assim se tornarão competitivas.

Não existindo a opção de desvalorização da moeda, que de facto reduzia os salários reais, os custos com pessoal terão de diminuir no sector privado, em processo semelhante ao que vai acontecer na função pública: com mais despedimentos, com admissões em escalões mais baixos ou mesmo com redução directa de salários nominais. Os custos com pessoal, pelo peso que assumem, terão de diminuir.

Um cenário desta natureza não poupará ninguém. Directa ou indirectamente, os efeitos destas medidas far-se-ão sentir em todos os recantos do país. Nos Açores também. Integrada como está esta região no resto do país, e dependendo em cerca de 50% de transferências para financiar o orçamento, não há como evitar os impactos.

Estendidas as medidas nacionais aos Açores, é de esperar que o rendimento disponível das famílias diminua e que o mercado interno privado também diminua por esta via. Restará apenas a saída dos mercados externos para suportar níveis significativos e sustentáveis de crescimento.

Por via da peculiar situação da organização administrativa e financeira das regiões autónomas, pode acontecer que o sector público venha a assumir uma dimensão maior, devido ao aumento dos impostos, se não houver uma correspondente redução de despesas. Em termos relativos, pelo menos, terá maior peso perante um sector privado fragilizado.

Os Açores deverão emergir da actual crise com uma estrutura salarial mais baixa, quer nos lugares públicos quer nos privados, com um sector privado mais pobre em geral e com um sector público relativamente mais pesado. Continuarão a vender, no essencial, produtos tradicionais com um potencial reduzido de geração de valor acrescentado que suporte os padrões de vida a que a sociedade se habituou da década passada. Para além das actividades associadas aos orçamentos públicos ou às empresas controladas por entidades públicas, geralmente produtoras de bens tendencialmente não transaccionáveis, não foram criadas novas actividades susceptíveis de suportar vencimentos mais elevados.

As variações do nível de vida continuarão a depender, em muito, da evolução das transferências externas a título de solidariedade nacional e comunitária.
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