Açoriano Oriental
Primeiro festival musical pós-25 de Abril recordado em documentário

O primeiro festival de verão pós-25 de Abril - e o segundo criado em Portugal - ocorreu na ilha Terceira (Açores) em 1976 e, apesar de só ter tido duas edições, marcou uma geração, sendo agora recordado em documentário.

Primeiro festival musical pós-25 de Abril recordado em documentário

Autor: AO/Lusa


“Isto é uma forma de homenagearmos e fazermos jus àquela gente, aproveitando o facto de eles ainda estarem vivos para nos contarem cara a cara o que sentiram, e deixar isto como um legado para os mais novos, para se sentirem inspirados”, adiantou, em declarações à Lusa, Rogério Sousa, um dos autores do documentário.

Após quatro anos de recolha de material, a associação cultural Burra de Milho, de que Rogério Sousa já foi presidente, lançou este ano uma página na internet, em que reúne não apenas um documentário sobre o festival “Musical Açores”, como informações, registos de áudio e fotografias.

“Mal há liberdade, é na Praia da Vitória que acontece o primeiro festival de verão, numa zona pequeníssima, que tem poucos habitantes. E acontece porquê? Pela influência da base [das Lajes] e pelo facto de a Praia da Vitória ser um espaço tão cosmopolita e aberto ao mundo”, salientou Rogério Sousa.

Em 1975, quase todos os jovens da Praia da Vitória tinham amigos norte-americanos, que facilitavam a sua entrada na base das Lajes, para frequentarem os clubes e o cinema.

Foi o filme “Woodstock” que, ainda antes de se estrear nas salas de cinema portuguesas, inspirou um grupo de 15 a 16 jovens a criar um festival semelhante ao norte-americano na praia da Riviera, na cidade da Praia da Vitória.

“Tínhamos acabado de sair de uma revolução do 25 de Abril. Estávamos em 1975, cheios de uma liberdade que nem sabíamos bem o que era”, salientou Carlos Armando Costa, um dos membros da organização do “Musical Açores”, o segundo festival em Portugal, depois de Vilar de Mouros.

A Força Aérea portuguesa colaborou com o transporte de músicos de outras ilhas e a autarquia cedeu camiões, mas não foi atribuído qualquer apoio financeiro público.

O palco foi improvisado com bidões de combustível, paletes e contraplacados, as colunas e as luzes foram colocadas em andaimes de obras e a eletricidade foi puxada de uma casa perto da praia, onde vivia um militar norte-americano.

Depois de um percalço com a carga elétrica, o festival arrancou por volta das 22:00 do dia 10 de julho de 1976, sexta-feira, e só terminou na tarde do dia seguinte, com um cartaz composto apenas por bandas açorianas, que atuaram de forma gratuita.

“Estava tudo cheio de carros e cheio de gente. As pessoas levaram tendas e começaram a acampar lá”, recordou Carlos Armando Costa, admitindo que não estava à espera de aparecerem tantas pessoas.

Na segunda edição, ainda com recurso ao improviso, a organização melhorou o palco e o som e conseguiu três bandas de Lisboa, os Beatnicks, os Aranhas e o duo Licínio e Moreno, o que provocou uma afluência ainda maior.

Estima-se que tenham passado pelas duas edições cerca de 10.000 pessoas, mas Carlos Armando Costa prefere não arriscar um número, até porque a entrada era gratuita.

As poucas despesas do festival foram pagas com dinheiro angariado em peditórios, com a venda de t-shirts ou com o aluguer de uma tasca, mas na segunda edição Carlos Armando Costa e um amigo ainda tiveram de pagar do seu bolso a conta de um restaurante, que serviu refeições aos músicos de fora da ilha.

“As pessoas hoje estão muito habituadas a que o Estado, o Governo, a câmara é que têm de fazer tudo. Eu acho que é um mau princípio, porque as pessoas têm de ter iniciativa e vontade de fazer, não é ficar só à espera que as coisas apareçam”, salientou.

Na terceira edição, a organização contava levar à Praia da Vitória uma banda dos Estados Unidos, mas isso já exigia apoios públicos e a rejeição por parte do Governo Regional acabou por ditar o fim do “Musical Açores”.

“Estamos a falar de uma época dois, três anos depois do 25 de Abril. Ainda havia algum conservadorismo nas instâncias governamentais. Na mentalidade das pessoas mais velhas, nós mais novos éramos rebeldes e queríamos romper com alguns conceitos que a sociedade tinha”, explicou Carlos Armando Costa.

Se tivessem criado uma associação, como aconteceu anos mais tarde na ilha de Santa Maria com a “Maré de Agosto”, Carlos Armando Costa acredita que o “Musical Açores” se teria mantido até aos dias de hoje, mas recusa a ideia de retomá-lo, passadas quatro décadas da última edição.

“De vez em quando alguém diz: porque é que não se reativa? Eu tenho defendido sempre que aquilo foi feito num determinado contexto, de uma determinada forma. Qualquer coisa que se faça hoje, não vai ser a mesma coisa”, frisou.


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