Autor: Cristina Pires / Ana Carvalho Melo
Por que razão aceitou este desafio?
Aceitei este desafio porque penso
que o Bloco de Esquerda na Ribeira Grande tem o dever e a oportunidade
de nestas eleições se apresentar como alternativa às políticas das
anteriores vereações do PS e agora do PSD. Apesar de algum
desenvolvimento no setor do turismo, as desigualdades e as principais
dificuldades das pessoas no concelho mantém-se. Ou seja, a distribuição
de rendimentos não está a chegar à maior parte das pessoas e isso é algo
que o município tem o dever de contrariar e o Bloco de Esquerda pode
ter esse papel.
Como candidato o que propõe para minimizar estas desigualdades?
Na
Ribeira Grande há muito a fazer do ponto de vista social e do ponto de
vista dos impostos e das taxas cobradas. Por exemplo, na Ribeira Grande
gasta-se mais em eventos de animação turística do que em toda a ação
social municipal. Estamos a falar em se gastar em animação o dobro do
que é gasto na ação social, que inclui o fundo de solidariedade social,
apoio à habitação degradada, apoio a idosos, em que estamos a falar de
pouco mais de 200 mil euros. Enquanto toda a animação turística custa ao
município cerca de 400 mil euros, que podiam ser melhor distribuídos.
A
nível de impostos e taxas, no concelho da Ribeira Grande poder-se-ia
perfeitamente devolver os cinco por cento da participação variável de
IRS. Poderia também criar-se uma tarifa social de água, que não. (...)
Por
um lado afirma que a Ribeira Grande é um concelho de desigualdades, e
por outro afirma que é um concelho com grande potencial de
desenvolvimento. Que potencial é esse?
A Ribeira Grande continua a
ser o concelho mais jovens do país, embora a taxa de natalidade nos
últimos anos tenha reduzido. Apostar nessa juventude é fundamental para
que a Ribeira Grande atinja o seu potencial de desenvolvimento. Não
podemos deixar que o abandono escolar seja tão elevado, nem que o
desemprego jovem seja tão elevado. É preciso criar respostas para
combater este cenário.
Que respostas são essas?
Do ponto de vista
da educação a câmara poderia aumentar o apoio escolar com explicações
para quem não consegue pagar. Poderia também apostar no emprego
qualificado porque com os investimentos que existem atualmente é preciso
também formar os jovens que querem ficar na Ribeira Grande, mas também
dar melhores condições de trabalho.
Muito dos investimentos que estão
a ser feitos na área do turismo não têm a repercussão social que
deveriam ter no concelho - porque muitas as pessoas não têm a formação
necessária - mas também é necessário garantir que as condições de
trabalho são adequadas. Não podemos ter uma espécie de saldos laborais
no concelho. É preciso garantir que as empresas dão boas condições de
trabalho. (...)
A Ribeira Grande tem sabido tirar proveito do crescimento do turismo?
A
Ribeira Grande começou a fazer a casa pelo telhado. Não resolveu
problemas estruturais que tem a nível ambiental, por exemplo, no entanto
quis chamar investimento para o turismo sem resolver esses problemas.
A que problemas ambientais se refere?
Aos problemas da orla costeira. Vimos há poucos dias a praia do Monte Verde ser interdita - não é novidade...
Mas a obra de requalificação já está em curso...
A
obra só avançou depois de se ter anunciado um investimento turístico
para essa zona. As obras e os investimentos na qualidade ambiental do
concelho não podem ficar à espera dos investimentos turísticos. É
preciso apostar no ambiente para as pessoas que residem, trabalham e
gostam do concelho. (...) O caso do Monte Verde é flagrante porque o
problema existe há décadas e não foi resolvido nem com Ricardo Silva do
Partido Socialista, nem com Alexandre Gaudêncio do PSD. E ambos têm
responsabilidade e inclusive o Governo Regional que deveria ter uma
palavra a dizer sobre isso.
No turismo há outras arestas a limar?
A
começar pela atitude da câmara que tem a seu cargo o monumento natural
da Caldeira Velha que de momento tem problemas devido ao grande fluxo de
pessoas. É preciso repensar toda a estratégia para recebera as pessoas
de forma a não tornar os sítios desagradáveis por terem tanta gente, e
por outro lado é preciso garantir que também os locais têm acesso a
eles, o que neste momento me parece muito difícil.
Que solução propõe?
É preciso disciplinar e criar limites para esses espaços, o que é uma solução que eventualmente será aplicada. (...)
O importante é garantir que as pessoas que cá vivem possam aceder a estes locais sem custos e de forma controlada. (...)
Outra
questão é a forma como a câmara trata as pessoas que trabalham nos
espaços públicos e de turismo. Não é aceitável que, em reunião de
câmara, se aprove que as pessoas que trabalham na Caldeira Velha
trabalhem a recibo verde e algumas delas ganhem abaixo do salário
mínimo.
O que propõe ? A integração dos funcionários na câmara?
Essa
é a proposta do Bloco de Esquerda para as câmaras em todo o país,
porque, infelizmente, não se trata de uma realidade exclusiva da Ribeira
Grande. Defendemos que os trabalhadores sejam integrados, quer os
trabalhadores com recibos verdes, quer os trabalhadores em programas
ocupacionais que cumprem funções permanentes da autarquia (...)
Na
situação de falsos recibos verde deve haver umas duas dezenas, neste
momento. A câmara embora tenha um portal de transparência, não fornece
esses dados desde janeiro de 2016.
Como avalia o trabalho que feito na gestão de resíduos?
(...)
Nessa questão queria deixar nota da lamentável posição que a autarquia
teve, principalmente na parte final do processo da incineração. O
presidente da câmara municipal da Ribeira Grande levantou, há cerca de
um ano, uma série de questões sobre todo o projeto. Falou em falta de
transparência e de nebulosas que, ao que parece, se dissiparam e o
processo avançou na mesma, com a promessa de se criar uma estação de
Tratamento Mecânico Biológico (TMB), que se avançar será um erro mais
gravoso, uma vez que a quantidade de resíduos que vai chegar à
incineradora será menor . O que significa que esta estará mais
sobredimensionada.
O presidente da câmara da Ribeira Grande teve
oportunidade de parar o processo, mas - como se costuma a dizer - meteu a
viola no saco e permitiu que o processo avançasse.
Ainda é possível reverter a construção da incineradora?
Neste
momento o processo está parado em tribunal. Espero que ainda seja
possível reverter a situação e de preferência sem custo para os
contribuintes.
Se houver uma câmara sem maioria absoluta o processo
ainda pode ser revertido, por isso é muito importante votar nos partidos
que não apoiaram este processo e defendem a sua reversão, assim como um
estudo aprofundado com a vista a se encontrar a melhor solução
alternativa para a gestão de resíduos na ilha de São Miguel.
Obviamente que um deputado ou um vereador do Bloco de Esquerda fará o possível para reverter esse processo.
Qual seria a solução ideal para o tratamento de resíduos em São Miguel?
A solução ideal só se consegue mediante um estudo, mas há várias hipóteses, como a construção de TMB.(...)
A
solução TMB juntamente com outras estratégias de gestão de resíduos,
que reduzam ao mínimo o que é colocado em aterro, parece-me a mais
viável. Mas isso obviamente precisa de um estudo aprofundado que
contemple todas as hipóteses e alternativas.
A câmara reduziu a
dívida da autarquia em 5,1 milhões de euros, sendo que o montante ainda
em dívida é da ordem dos 10,7 milhões de euros. Esta é uma questão que o
preocupa?
A redução da dívida deveu-se muito a uma operação de venda
de dívida a uma empresa privada de habitação social, a quem a câmara
paga uma renda.
Preocupa-me mais a utilização dos dinheiros públicos,
quando só se investe pouco mais de 40 mil euros no fundo de
solidariedade social, o que é manifestamente muito pouco.
É preciso
também ver que grande parte das adjudicações da câmara municipal são
feitas por ajuste direto. Sei que muitas vezes se quer privilegiar as
empresas locais isso também não abona muito para a transparência da
câmara municipal.
O que é para si um bom resultado a 1 de outubro?
Será
acima de tudo sentir que transmiti as nossas propostas, ideias e
soluções alternativas para o que não está bem. Queremos manter o nosso
deputado municipal e, se possível, reforçar essa posição.
É professor, licenciado em biologia e geologia. O seu percurso de que forma é uma mais-valia se for eleito?
Mais
do que formação académica e experiência política, acho que é necessário
ter ideias, força e convicção para as defender. Independentemente de
muitas vezes as ideias começarem por ser pequenas e com poucos adeptos, é
preciso ter convicção para as defender e as fazer percorrer bom
caminho. Acho que posso ajudar a fazer diferença, de forma que as
nossas propostas cresçam e se tornem ideias fortes no concelho da
Ribeira Grande.