Açoriano Oriental
Alunos aprendem com os clássicos gregos na ilha Terceira

Cerca 40 alunos de várias escolas atravessaram, este fim de semana, a ilha Terceira durante a noite, numa caminhada de mais de 30 quilómetros inserida no programa “República das Letras”, baseado nos clássicos gregos.


Autor: Lusa/AO online

“A noite muda tudo. Muda o sentido de orientação, completamente. Fisiologicamente muda muito a pessoa. Às 4:00, 5:00 da manhã, há sempre muito menos energia e muito menos atenção”, adiantou, em declarações à agência Lusa, Miguel Monjardino, promotor do programa extracurricular “República das Letras”, alegando que o passeio noturno é um “treino muito bom”, do ponto de vista sensorial e de orientação.

Inspirados pela história do oficial de infantaria espartano Brásidas, partiram da freguesia dos Biscoitos, na zona noroeste da Terceira, Açores, por volta das 23:00 de sábado, atravessando o interior da ilha, durante a madrugada.

Subiram o Pico Gaspar, atravessaram uma mata, sem luz ou auxílio de novas tecnologias para orientação, e terminaram o percurso no Pátio da Alfândega, em Angra do Heroísmo, já depois de o sol nascer.

Antes, leram uma passagem de Tucídides sobre Brásidas, que escolhia a madrugada, mais concretamente o período entre as 4:00 e as 5:00, em que o corpo e a mente estão mais fracos, para atacar os inimigos.

“Quando nós lemos Tucídides e a História da Guerra do Peloponeso, esse era um general importante na História. O passeio que nós fazemos com o nome dele leva os alunos a fazer coisas que lhes dão uma ideia do que era o tipo de operações militares que esse oficial fazia”, salienta Miguel Monjardino.

Aos cerca de 20 alunos que frequentam anualmente o programa “República das Letras”, na ilha Terceira, e que todos os meses realizam uma caminhada pelo interior da ilha, de dia ou de noite, faça chuva ou faça sol, juntaram-se outros sete do Liceu Filipa de Lencastre, de Lisboa, e 12 da Oeiras International School.

Para muitos dos que chegaram de fora, a experiência foi uma primeira vez, pela dimensão do percurso, pelo contacto com a natureza ou até pelo desafio de ser feito durante a noite.

Lennart Girard, professor que acompanhou o grupo de Oeiras, composto por alunos de seis nacionalidades diferentes, disse acreditar que a atividade poderia ser um contributo para a sua formação profissional, mas também para a sua evolução pessoal.

“Com a tecnologia, tudo parece mais simples atrás de um computador, mas os miúdos de hoje em dia deviam aprender mais aptidões e estas são aptidões para a vida que eles podem adquirir. Talvez nunca venham a fazer uma caminhada como esta, mas mesmo assim podem aprender uma coisa ou outra, sobre liderança, sobre como lidar com os seus medos…”, salientou.

Natural de Angra do Heroísmo, onde ainda reside, Miguel Monjardino, professor da Universidade Católica e especialista em política internacional, criou em 2004 a “República das Letras”, depois de assistir a um seminário do filósofo inglês Anthony O'Hear, sobre os clássicos gregos.

O programa já se alargou a outras escolas no continente português, mas mantém-se ativo na ilha Terceira, onde todas as semanas se leem os clássicos gregos, de Homero a Platão e a Aristóteles, realizando-se anualmente uma leitura pública da Odisseia ou da Ilíada, durante 12 ou 16 horas seguidas.

Segundo Miguel Monjardino, na República das Letras, os alunos não estão preocupados com notas ou empregos, concentram-se apenas nos clássicos gregos, que têm sempre algo a ensinar, mesmo a quem, como ele, já os leu inúmeras vezes.

“Eu gosto de pensar que é uma preparação para a vida deles, sobretudo para descobrirem quem são e em que é que acreditam. E é também uma educação para a liberdade e para a autonomia, para serem capazes de pensar pela sua própria cabeça, para serem capazes do ponto de vista físico de fazerem certas coisas, serem capazes de falar em público, serem capazes de irem a um jantar e conversarem sobre tudo”, apontou.

Os passeios pelo interior da ilha surgem também por inspiração helénica e, além da componente física, têm também uma componente social.

“Os gregos eram muito físicos. Aliás, inventaram os jogos olímpicos. Para os atenienses e os gregos antigos, uma vida boa era uma vida intelectual, com a componente física muito forte”, justificou Monjardino.


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